O clássico amazônico, “Dessana, Dessana”, já revisitado inúmeras vezes em musicais e concertos, estreou no último domingo (29/04) em forma de ópera, no palco do Teatro Amazonas, durante o 21º Festival Amazonas de Ópera (FAO). A montagem, que conta a história da criação do universo de acordo com a visão indígena, começa com o narrador invocando o mito do começo do mundo em pleno caos urbano de Manaus.
O FAO 2018 é uma realização da Secretaria de Estado de Cultura (SEC), com patrocínio do Bradesco Prime – incentivo do Ministério da Cultura (Minc) por meio da Lei Rouanet; além do apoio da Agência Amazonense de Desenvolvimento Cultural (AADC) e da Aliança Francesa.
O tenor Enrique Bravo, que interpreta Dessana, o narrador do mito, falou da responsabilidade de fazer o clássico.
“Em forma de ópera ela é muito mais difícil e, por ser uma obra tão tradicional, muito esperada pela classe artística, foi um desafio e um privilégio”, disse. “Dessana vem como um ativista que tem contato com a cultura indígena e que foi fortemente impactado com isso. Para compor, pensei na emoção após aquele dia em que o índio foi assassinado no ponto de ônibus em Brasília, e criei um Dessana que está revoltado e precisa contar essa história que engloba a criação do mundo”.
A reprodução da cosmogonia dos povos do Rio Negro, com Yebá-Beló, a avó do mundo, vivida por quatro atrizes, sobre um clarão de quartzo contando como criou o mundo; a travessia dos homens e mulheres inicialmente criados pelo lago de leite; a presença do homem branco, que logo é banido por Boleka e Sulãn-Panlãmin, líderes do povo recém-criado; assim como a apresentação das festas e dos rituais, toda a representação mítica foi feita com total sincronia entre a Orquestra Experimental da Amazonas Filarmônica, o Coral do Amazonas e o Balé Folclórico do Amazonas.
A versão agradou os criadores da obra. Da plateia, Adelson Santos, compositor da música de “Dessana, Dessana”, disse que a obra alcançou uma nova dimensão.
“Estou muito feliz. Os cantores, a orquestra e os bailarinos deram outra configuração à obra, de repente alcançou uma nova dimensão. Foi um passo adiante que nós demos”, comentou. “Só peço que não deixem ‘Dessana’ ficar esquecida, porque é uma obra bonita, com muito conteúdo e informação, que merece ser exposta sempre”.
Aldísio Filgueiras, autor do libreto em parceria com Márcio Souza, disse que renasceu.
“A impressão que eu tenho é a mesma de quando eu acordo e descubro que estou vivo. É um alívio! Me sinto assim porque lá na década de 1970, quando esse espetáculo estreou, 80% dessa plateia não tinha nascido e, principalmente, ainda não tinha sido criada essa orquestra que acompanha esses jovens artistas, atores e bailarinos. Parece que estou participando da criação do mundo também, junto com os Dessana. Essa é a impressão que, como dizemos no nosso texto, estamos sempre a recriar o mundo”, afirmou.
Regente da ópera, o maestro Otávio Simões destacou a importância de ter o compositor na plateia e a atuação dos solistas.
“O público recebeu muito bem a obra e ter o compositor na plateia, emocionado, foi muito gratificante. Nem sempre temos essa oportunidade. O sentimento é de dever cumprido”, afirmou. “A atuação de todos os artistas, da orquestra, do coro, do balé, foi excelente como sempre, mas destaco, sobretudo, atuação dos solistas do Coral do Amazonas. Ver esses cantores fazendo solos com tão alto nível de qualidade dá muito orgulho”.
Balé – Outro destaque de “Dessana, Dessana” foi a participação do Balé Folclórico do Amazonas. De acordo com a coreógrafa Monique Andrade, o Corpo Artístico criou uma nova partitura para compor a ópera.
“Construir um corpo que nasce do pó da terra, passando por todas as etapas até se transformar num ser humano, foi uma composição muito colaborativa com os bailarinos, porque eles têm a dança folclórica no corpo”, observou. “Mas a dança dentro da ópera tem outro tipo de composição, tem uma forma dentro do contexto, existe uma interação grande do balé com os solistas e com o coro, então a composição é um conjunto. Ajustamos o tempo e o espaço para criar uma nova partitura corporal junto com a partitura musical”, pontuou.
Plateia – A montagem encantou o público. A economista Cleonice Mororó, de Brasília, está visitando Manaus e aproveitou para conhecer o FAO. “É a minha primeira vez na ópera e aqui na Amazônia. Gostei muito, foi muito bonito. O profissionalismo, a sincronia da orquestra com os atores e a história por trás da apresentação”, disse. “Vim com essa vontade de assistir a uma ópera porque já tinha ouvido falar, mas nunca tive a oportunidade de assistir”, comentou.
Já Ana Caroline Souza disse que todos os anos prestigia o FAO e destacou suas impressões. “Sempre venho para o Festival. Achei muito linda a ópera, eu adorei o coral, o balé. Também percebi que eles tiveram um cuidado sustentável na montagem”, afirmou. “Pretendo voltar para assistir ‘Faust’”.
“Dessana, Dessana” – A ópera traz ao público a mitologia indígena narrada por meio da personagem Yeba-Beló, “a avó do mundo, a mais velha que o nada”. Além do conflito vivido pela personagem Dessana em pleno caos urbano de Manaus, a obra também apresenta as festas, rituais e trabalhos desenvolvidos pelo povo da etnia. A direção musical e a regência da obra são do maestro Otávio Simões.
Fonte – Secom