A recente sanção da lei que proíbe o uso de dispositivos eletrônicos em escolas brasileiras reacendeu debates sobre o papel da tecnologia no ambiente escolar. A medida, promulgada em janeiro de 2024 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem impacto direto na rotina de professores, estudantes e gestores educacionais. Segundo Vivian Batista, professora da Faculdade de Educação (FE) da USP e diretora da Escola de Aplicação da mesma instituição, a criação da lei foi o resultado de uma longa e complexa discussão dentro da sociedade e das instituições de ensino.
Conforme a docente, antes mesmo da sanção da lei, muitas escolas já tentavam limitar o uso dos celulares em sala de aula, mas enfrentavam dificuldades na aplicação prática das regras. Conforme a especialista, isso ocorre devido ao potencial atrativo dos aparelhos celulares, uma vez que são pequenos, acessíveis e repletos de estímulos visuais, que os tornam quase que elementos inseparáveis do cotidiano das pessoas.
Obstáculos
De acordo com Vivian, muitos docentes, ao longo dos últimos anos, relataram desafios constantes em manter a atenção dos alunos. A presença dos celulares nas salas exigia uma vigilância constante e desgastante. Ela conta que ouviu diversos profissionais reclamando do andamento das aulas, que não ocorriam como o esperado devido à necessidade constante de monitorar o uso dos aparelhos.
Com a nova legislação em vigor, a professora acredita que a escola ganha um novo fôlego para resgatar práticas pedagógicas que estavam se perdendo. Ela observa que o momento atual é propício para refletir sobre os efeitos da medida, especialmente no cotidiano de professores, alunos e funcionários. A proibição, segundo ela, pode abrir espaço para atividades que favoreçam o aprofundamento do aprendizado e o desenvolvimento de habilidades fundamentais.
“Me parece que perdemos um pouco o hábito do uso de cadernos, da escrita manual e da valorização da oralidade. Todas essas atividades ficaram um pouco em segundo plano em meio ao uso excessivo de telas. Garantir um espaço para resgatar essas formas de relação com o conhecimento é uma boa alternativa”, reflete.
Inteligência artificial e mecanismos de pesquisa
Um dos maiores problemas encarados pelos profissionais da educação é o uso indiscriminado de ferramentas tecnológicas como mecanismos de pesquisa rápida e inteligência artificial para obtenção rápida de respostas. Conforme a docente, existe a necessidade de fortalecer atividades que estimulem os estudantes a resolver problemas por si. Vivian traça um paralelo com os tempos em que os manuais do professor acompanhavam os livros didáticos. Segundo ela, muitos estudantes sonhavam em ter acesso a essas respostas prontas, mas esse tipo de abordagem reduzia a experiência de aprendizado a uma simples reprodução.
“Diante de uma conta matemática, por exemplo, precisamos buscar a resolução da conta. Isso demanda tempo, dúvida e esforço. Embora as respostas instantâneas sejam tentadoras, elas comprometem o desenvolvimento do raciocínio e da autonomia do pensamento do aluno. Aprender é um processo que demanda esforço. Isso precisa ficar muito claro”, enfatiza.
Resultados
Na Escola de Aplicação da USP, onde Vivian atua como diretora, o uso de celulares em sala de aula já era proibido antes da lei. No entanto, ela explica que, mesmo assim, a utilização dos aparelhos ainda era frequente. Com a aprovação da norma ao nível nacional, ela percebe uma mudança significativa e afirma que houve uma aceitação expressiva por parte das famílias, que também se sentiam incomodadas com a presença constante dos celulares.
Com relação aos estudantes, a diretora diz que o receio inicial de sentir falta do celular rapidamente deu espaço a uma percepção positiva. Muitos relatam que conseguem prestar mais atenção nas aulas que o ambiente se tornou menos dispersivo. “Agora a regra está mais clara e isso faz a diferença. Ter uma lei a respeito desse uso indiscriminado dá aos profissionais um maior respaldo para poder ser cumprida, porque o celular era realmente um elemento de distração. Sem ele, a atenção dos estudantes melhora”, explica.
A ausência dos aparelhos também estimulou mudanças na dinâmica dos intervalos e tempos livres. Vivian relata que os estudantes passaram a se engajar mais em conversas e interações presenciais. Alunos que antes ficavam muito sozinhos, por exemplo, agora têm mais oportunidades de convívio social e de construir novas relações, pois não estão usando seu tempo em frente às telas. “No geral, acho que vem sendo uma experiência bastante positiva até aqui. No entanto, esse é um processo que precisa ser monitorado e essas mudanças dependem de um trabalho contínuo entre os profissionais da educação, os estudantes e os familiares. Acho que a proibição em si não é a solução, é necessário serem criados cada vez mais espaços e condições para surgir novas formas de aprender e conviver”, pontua.
Fonte – USP
Foto – Sumaia Vilela/Agência Brasil




