Brasil deve em breve ser líder mundial na produção de alimentos, afirma ex ministro
Ex-ministro da Agricultura entre 2003 e 2006, o empresário paulista Roberto Rodrigues tem no currículo uma grande atuação no ramo do agronegócio e do cooperativismo. Foi secretário estadual de Agricultura de São Paulo no anos 1990, criou a Agrishow e foi presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) por dois mandatos (1985/1991), da Organização Internacional de Cooperativas Agrícolas (1992 a 1997) e da Aliança Cooperativa Internacional – ACI (1997/2001), órgão centenário que congrega mais de 900 milhões de pessoas no mundo, por meio de 250 organizações nacionais cooperativas.
Rodrigues palestrou em 2017 na UFSM e concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário, em que defendeu sua proposta para o desenvolvimento do Brasil: de se consolidar como o maior produtor mundial de alimentos e transformar essa na principal bandeira do país, não só para gerar mais renda e empregos ao homem do campo, mas também ao das cidades. Confira:
Diário – Qual a diferença entre cooperativismo e capitalismo?
Roberto Rodrigues – Ambos são doutrinas, econômicas e sociais, voltadas ao desenvolvimento de nações e sociedades. O instrumento do cooperativismo é a cooperativa, o do capitalismo, é a empresa. A diferença é que a cooperativa é uma empresa baseada em valores, que começam com solidariedade, com trabalho em comum, com os avanços compartilhados, de modo que a cooperativa se diferencia da empresa convencional porque o seu dono é também seu usuário, seu mutuário, tem uma relação triangulacionista. E com algumas características. Por exemplo: numa cooperativa, não importa quantas cotas partes um associado tenha, ele tem um voto. Numa empresa capitalista, se ele tem 51% das ações, ele é o dono da empresa.
Diário – O cooperativismo é o futuro no agronegócio?
Rodrigues – É uma das alternativas. No agronegócio, e na agricultura, particularmente, há uma regra dada pela economia globalizada, que é a seguinte: a margem por unidade de produto tende a diminuir cada vez mais pela economia globalizada e a economia internacional. De modo que no médio e no longo prazo, a renda do produtor rural se dará pela escala, e não pela unidade de produto. Então, o pequeno produtor, por definição, não tem escala, porque é pequeno. Ele está morto, liquidado? Não, porque ele pode fazer a escala através da cooperativa. Além do que ela é um instrumento de distribuição de tecnologia, de insumo adequado, de crédito, do seguro, ela agrega valor e negocia em pool. Ela vai ajudar o produtor a ter custo menor e a ter maior renda, e ainda por cima, ele participa do processo em escala. Então, para o pequeno produtor, a cooperativa é a única saída, e também para o grande. Por maior que seja um produtor, ele compra x toneladas de fertilizantes, se a cooperativa compra 10x, ele vai ser beneficiado também. Só que a sua presença beneficia o pequeno. A cooperativa tem esse lado solidário, em que o grande ajuda o pequeno, e vice-versa.
Diário – No Rio Grande do Sul, várias cooperativas quebraram nas últimas décadas, talvez por falta de controle, que era mais difícil de ser feita do que hoje. As cooperativas conseguem sobreviver de forma mais eficiente e menos suscetível a fraudes hoje?
Rodrigues – O histórico de cooperativas no Brasil é de desastres causados por vários fatores. O central é gestão mal feita, em que a cabeça acabou ficando maior do que o corpo e o instrumento cooperativo serviu a seu dirigente e não ao cooperado. Hoje em dia, depois da Constituição de 1988, as cooperativas ganharam a função da autogestão. Até então, o Estado controlava, inclusive a contabilidade da cooperativa, e isso acabou em 1988. O cenário é de que a gestão é feita pelas cooperativas, e aquelas que profissionalizaram a cooperativa como empresa focada, cresceram. Quem não fez isso continua quebrado.
Diário – Qual sua visão do agronegócio hoje? Teve a Operação Carne Fraca. O que está faltando?
Rodrigues – Há um olhar das instituições multinacionais quanto ao futuro sobre o tema segurança alimentar, e hoje todos os estudiosos nessa área entendem que o Brasil tende a ser e tem de ser o grande supridor mundial de alimentos. Para isso, é preciso que haja dois tipos de movimento. Um público, de políticas públicas, com estratégias ligadas à área de renda, comércio, logística e infraestrutura, legislações que estão obsoletas. Mas a gestão privada também precisa fazer a parte dela e se organizar para enfrentar a concorrência internacional. E essa parte é a cooperativa. O Brasil tem um desafio global fantástico para que se torne o campeão mundial da segurança alimentar, mas só pode falar isso se tiver uma política pública adequada e uma estrutura cooperativista sólida, que permita a competitividade de maneira clara.
Diário – Recentemente, o senhor defendeu uma revolução na área do agronegócio. Que revolução é essa?
Rodrigues – Eu estou propondo uma plataforma para o Brasil. Os países hoje, emergentes, criaram todos uma plataforma para o desenvolvimento. A China, exportação. A Índia, TI (informática). A Coreia, eletroeletrônica. O Brasil tem vocação natural que é o agro, mas não acho que esse seja o nosso sistema. Ele deve ser alimentar o mundo, segurança alimentar. Eu estou propondo uma plataforma em que o agro seja responsável, mas que a sociedade toda se incorpore ao programa para alimentar o mundo e seja o campeão mundial da segurança alimentar. Esta é a segunda vez que estou falando e propondo isso. A primeira vez foi num evento em Gramado e eu estou ainda refletindo sobre isso.
A sociedade brasileira já reconhece a importância da agricultura hoje, mas não assume a agricultura como um setor dela. A Catherine Deneuve, atriz francesa, ao ganhar um prêmio, no seu discurso de agradecimento, dedicou o prêmio aos agricultores franceses. Depois, instada a explicar, ela disse “eu estou viva graças a eles, senão, não teria comida e agradeço a eles”. Eu fiquei imaginando qual seria o ator brasileiro que diria uma coisa dessas.
Diário – Como seria esse projeto de transformar o Brasil no campeão mundial na produção de alimentos?
Rodrigues – O Hoje, a sociedade brasileira reconhece a agricultura, mas não é uma coisa do povo brasileiro. É dos agricultores. Todo mundo diz “o Brasil vai mal, mas a agricultura vai bem”, mas não diz “o Brasil vai mal, mas a nossa agricultura vai bem”. Falta esse pertencimento. O Brasil como um todo deveria assumir esse papel global como líder mundial para garantir segurança alimentar para o mundo. Para isso, nós precisamos de silo, de trator, de trem, de vagão, e isso é aço. Então, o operário da siderurgia tinha de saber que a função dele é preparar as condições para que o Brasil seja o campeão mundial em segurança alimentar. Se não, não vai avançar nesse processo. Um trabalhador na área de marketing, ou de uma fábrica de defensivos, de equipamentos, de embalagem, de alimentos, são todos trabalhadores urbanos, que precisam estar ligados a essa plataforma de líder em produção de alimentos. Então, um projeto em que o Brasil seja um campeão mundial de segurança alimentar é um projeto de nação, e não um projeto da agricultura ou da pecuária. Isso é o que eu estou tentando defender e eu ainda estou me ouvindo, para compreender melhor, pois é a segunda vez que falo dessa ideia. A ideia é que o Brasil se lance como projeto de segurança alimentar como nação, em que todos os cidadãos, urbanos ou rurais, façam disso uma plataforma nacional integrada.
Diário – Para esse projeto sair do papel, o que é preciso?
Rodrigues – É preciso ter uma série de políticas públicas e privadas. As públicas precisam ter uma política de renda. O banco e a seguradora são urbanos, mas é preciso que haja uma visão desses segmentos no projeto de segurança alimentar do país. O seguro rural foi a primeira coisa que eu fiz quando assumi em 2003, e hoje, 14 anos depois, não tem 10% que usam na agricultura brasileira. E isso que é seguro contra questões climáticas, não é seguro de renda. Não existe nada nessa direção porque o Estado não se interessou, e nem o agronegócio enxerga a vantagem de ter um seguro contra acidentes de toda ordem, climáticos ou comerciais. É preciso que haja seguro de renda. Hoje, 40% dos negócios agrícolas no mundo se dão por acordos bilaterais, mas nós não temos nenhum acordo, estamos à margem do processo. Precisamos olhar isso com mais interesse. Políticas logísticas, de infraestrutura. Uma fotografia de centenas de caminhões encalhados no BR-163, por causa de 50 km de estrada de terra, é inacreditável que ainda exista isso. Por que não asfaltaram aquele trecho? E todo mundo sabe que é uma tragédia anunciada, mas ninguém faz nada. Política logística é essencial, ferrovia, porto, e todo mundo que trabalha nessas áreas é urbano. Então, o compromisso é de toda a nação. E não são necessárias só políticas públicas, mas também ações privadas. Hoje, tecnologia não é mais um tema de discussão e debate. Tecnologia transitou em julgado. Qualquer país sabe que, sem tecnologia, não se produz e não será competitivo. O problema é poder comprar tecnologia, o acesso a ela. Nem sempre os produtores conseguem comprar tecnologia por razões das mais variadas. Mas todo mundo sabe que precisa dela. Um tema que não é igualmente reconhecido é o da gestão na agricultura e na agroindústria, menos nas cooperativas. Então, estive numa reunião com os 30 maiores produtores de cana em Barretos (SP) e eu perguntei: quanto custa uma tonelada de cana para você? Um disse X, outro disse X mais Y, outro X mais Y. Então, 30 produtores tinham 30 custos diferentes, porque as matrizes de gestão são diferentes. Não há uma matriz mais ou menos uniforme em que todo mundo possa fazer uma conta aproximada. Se não tiver essa questão de custos de produção minimamente adequada, como você vai saber se está ganhando dinheiro ou não? Saber quanto custa, qual o estoque, qual a melhor ferramenta de vender e de comprar o insumo. Gestão comercial, tributária, fiscal, é uma coisa tão essencial. Aqui tem um cenário importante para a universidade avançar, que é a questão da gestão, financeira, comercial, fiscal e tributária, de RH, meio ambiente, gestão de risco, tem “n” capítulos na área de gestão que precisam ser incorporadas com tanto vigor quanto a tecnologia foi incorporada.
Uma máquina de cortar cana custa R$ 1,5 milhão, então você precisa ter um engenheiro para administrar aquilo, tem de formar gente. Outro dia, na Agrishow, vi máquinas que daqui a três ou quatro anos vão estar andando sozinhas. O cara no escritório administra três máquinas. Plantadoras com 38 linhas. Mas como fica o pequeno produtor? Onde ele entra nessa história? Vai ter um drone para ele. O problema é ter renda para comprar. Do que adianta ter um drone ou pulverizador aéreo se ele não puder comprar? Por isso tudo, é preciso investir muito na gestão e em processos. Gestão de recursos humanos, de riscos, e ambiental são temas que ainda estão ao largo na agropecuária brasileira. Há gente com gestão primorosa, mas não é uma coisa universal.
Diário – Nesse aspecto, por que o senhor defende o papel das cooperativas?
Rodrigues – O papel das cooperativas é cada vez mais importante. A economia globalizada tende a reduzir a margem dos produtos, e o pequeno produtor rural, por definição, não tem escala. Ele está morto? Não, pois ele consegue escala por meio da cooperativa. A cooperativa também oferece gestão e tecnologia, assistência técnica e crédito, vai industrializar o produto e o embalar. Então, a cooperativa não só dá escala ao pequeno produtor, mas como dá uma condição de renda, pois sozinho, o produtor pequeno não consegue isso. Há pesquisas que mostram que onde o produtor rural é associado a uma cooperativa, ele tem uma renda 5% maior do que aquele produtor da mesma região que não é cooperativado.
Quando se fala em projeto de transformar o Brasil no líder em segurança alimentar no mundo, as cooperativas têm um papel fundamental. Uma cooperativa para ter sucesso precisa de três fatores. Primeiro, ela tem de ser necessária. “Vamos fazer uma cooperativa? Vamos”. Mas se ela não for sentida pela base cooperativada como uma empresa necessária, não adianta fazer. Nós temos exemplos disso às carradas. O governo militar, nos anos 1970, decidiu ocupar a fronteira agrícola com cooperativas de reforma agrária e levaram colonos do Sul para a Amazônia, o Centro-Oeste. Todas morreram. Não eram sentidas pelos assentados como importantes. Mais do que isso, o governo nomeava o presidente (das cooperativas). Cooperativa tem de ser de baixo para cima. Em segundo lugar, cooperativa é uma empresa, e para isso, precisa ter resultado, ter lucro. E terceiro: tem de haver uma liderança que consiga expor para sua base os valores e os princípios da doutrina para harmonizar esse processo todo.
O bom líder cooperativista, até o começo desse século, era aquele que era capaz de interpretar os anseios dos cooperados. A globalização acabou com essa velha forma de liderar, pois agora precisa ter agilidade nas decisões, e a cooperativa por definição democrática, tende a perguntar o que vocês acham. Com a globalização, não dá mais tempo de perguntar o que vocês acham que tem de fazer. O novo líder não é mais o intérprete dos sonhos, ele é o propositor dos sonhos. Ele é o visionário que rasga a cortina do horizonte e enxerga o caminho que tem de ser seguido e prova para os cooperados. É preciso ter um programa e não só qualidades pessoais.
Diário – O que acha de críticas ao agronegócio, de que prejudica o ambiente?
Rodrigues – Faz parte do processo de construção do país, da discussão democrática, e acho que em alguns casos, a agricultura cometeu erros de caráter ambiental, mas até por ignorância. Mas acho que é um assunto que está transitado em julgado. Hoje, o produtor rural, de maneira geral, sabe que se ele não cuidar da propriedade dele e do ambiente, ele perde a propriedade. Então, hoje, ele é um preservacionista, de maneira geral.
Diário – Muita gente critica o uso excessivo de agrotóxicos. Qual a sua opinião?
Rodrigues – Somos um país tropical, que faz duas safras e meio por ano, em que pragas e moléstias são recorrentes. É diferente de um país temperado, em que tem só quatro meses de sol. Temos 12 meses de sol, muito calor. Então, o uso adequado de defensivos agrícolas (eu até acho o uso da palavra agrotóxico errado) faz parte do processo. Eu acho que é preciso trabalhar temas que mitiguem o uso de defensivos agrícolas. A integração lavoura-pecuária trabalha nessa direção. Os combates integrados de pragas e moléstias com elementos naturais também ajudam muito. Fertilizantes hoje orgânicos têm avançado. É preciso sempre trabalhar na direção da redução do uso de defensivos, mas não que seja um pecado, é um caminho a ser perseguido. Por enquanto, é assim, precisa de defensivos para produzir a quantidade necessária de alimentos, mas é preciso ir evoluindo.
Diário – O senhor foi ministro da Agricultura no primeiro mandato de Lula. O senhor acha que Lula tinha conhecimento dos escândalos de corrupção? E ele deve ser candidato a presidente novamente?
Rodrigues – Olha, eu era um ministro técnico, nunca participei de partido político, de reunião política. Não entendo nada de política. Esse é um tema no qual eu não entro. Não discuto política. Eu fui ministro enquanto achei que poderia contribuir com o Brasil. Quando achei que não poderia contribuir mais, eu fui embora e me afastei completamente. Então, não quero falar sobre política.
Fonte – Diário/SM