Pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP desenvolveram uma cerâmica odontológica com material reciclado que promete revolucionar o setor. O novo material apresentou desempenho e resistência iguais ou até superiores às cerâmicas comerciais, além de maior ação antimicrobiana, reduzindo a aderência de bactérias.
Com potencial para tornar as próteses dentárias mais acessíveis, a inovação foi premiada em um dos principais congressos internacionais de pesquisa em materiais dentários, realizado entre 1º e 4 de outubro, no Panamá.
Dois artigos sobre a nova técnica foram publicados nos periódicos científicos Journal of the Mechanical Behavior of Biomedical Materials e Dental Materials. As cerâmicas são amplamente utilizadas na odontologia restauradora e protética. Atualmente, na prática clínica, têm se destacado o uso das cerâmicas conhecidas no meio odontológico como zircônias multicamadas, por oferecerem um equilíbrio entre resistência e a aparência natural dos dentes, fundamentais para restaurações estéticas e funcionais. A cerâmica aprimorada produzida pelos pesquisadores da FOB tem dois grandes diferenciais: a sustentabilidade, com o reaproveitamento de materiais que seriam descartados; e a inovação, com o desenvolvimento e a associação de um vidro que aprimora sua estrutura, funções e biossegurança.
“Este novo biomaterial é fruto de um trabalho de pós-doutorado, que aperfeiçoou uma técnica desenvolvida pelo nosso grupo de pesquisa para reciclar resíduos de zircônia gerados durante a fabricação digital de próteses dentárias, material que pode ter até 80% de seu volume descartado sem reaproveitamento”, explica Estevam Augusto Bonfante, professor do Departamento de Prótese e Periodontia e coordenador do Núcleo Avançado de Pesquisa Craniofacial e Unidade Investigativa de Mecânica (CraniumLab) da FOB. “A proposta foi transformar esse resíduo em novas cerâmicas multicamadas.”
Segundo Bonfante, a configuração multicamada obtida a partir do material reciclado combina uma camada de alta resistência com outra mais translúcida, responsável pela estética, considerando que resistência e translucidez são propriedades tradicionalmente antagônicas em cerâmicas odontológicas. “O estudo apresentou também um avanço significativo com o desenvolvimento de um vidro funcional dopado com zircônia, para o recobrimento superficial dessas cerâmicas”, ressalta.
Resistência
“Esse vidro inovador atua como camada multifuncional, capaz de reforçar a estrutura, melhorar a integração entre as camadas e conferir propriedades antimicrobianas, reduzindo a adesão bacteriana, uma característica de grande relevância clínica na área de reabilitação oral”, ressalta. Ainda conforme o professor, os resultados mostraram que o material reciclado recoberto com o vidro funcional apresentou resistência igual ou superior às cerâmicas comerciais e reduziu significativamente a aderência bacteriana, sem causar efeitos tóxicos às células.
“Esses novos materiais continuam em fase de testes laboratoriais (in vitro), mas os achados representam um avanço importante rumo a uma odontologia mais sustentável, com materiais de alta desempenho e potencial aplicação em próteses e estruturas implantossuportadas, contribuindo para reduzir o impacto ambiental e aumentar a durabilidade e segurança clínica”, destaca. “Além disso, no futuro, esses avanços podem ajudar a tornar tratamentos dentários mais acessíveis para a população e, eventualmente, até mesmo contribuir para o aperfeiçoamento de políticas públicas, propiciando subsídios para que esses novos materiais possam ser incorporados pelo Sistema Único de Saúde”, destaca Estevam.
O trabalho que resultou na inovação, intitulado Zircônia multicamada reciclada funcionalmente aprimorada por gradação de vidro antimicrobiano dopado com zircônio, de autoria do pós-doutorando da FOB Ernesto Byron Benalcazar Jalkh, orientado pelo professor, foi o vencedor do Prêmio Marshall de Pós-Doutorado, concedido pela Academia de Materiais Dentários (ADM, na sigla em inglês), durante a sua conferência anual de 2025, realizada entre os dias 1º e 4 de outubro, no Panamá. O trabalho contou ainda com desenvolvimento do engenheiro químico Tiago Moreira Bastos Campos – que realizou pós-doutorado na FOB – e participação de colaboradores do Brasil e do exterior.
Esta é a segunda vez consecutiva que um pós-doutorando da FOB recebe o Prêmio Marshall de Pós-Doutorado, e também a segunda vez que uma universidade brasileira o recebe. Neste ano, inclusive, dois pós-doutorandos da FOB estiveram entre os três finalistas. Segundo o professor, essas conquistas representam um marco importante para a FOB e para a pesquisa brasileira nas áreas de prótese e de materiais dentários. “O reconhecimento internacional por uma das principais academias científicas do mundo na área demonstra que a ciência desenvolvida no Brasil está em sintonia com o que há de mais avançado globalmente, tanto em qualidade quanto em relevância”, conclui.
Fonte – USP
Foto – KamranAydinov / Freep!k




