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Criadores investem em sistema para abastecimento de água e manejo sustentável do gado na Amazônia

É difícil pensar na produção de gado na Amazônia sem lembrar da derrubada de árvores para a formação de pastagens que vem devastando parte do bioma. Indo na contramão desse processo, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá instalou três sistemas de abastecimento de água para a criação de gado com o modelo de Pastoreio Racional Voisin (PRV) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã. Com os sistemas, movidos a energia solar, os criadores, que praticam a pecuária de pequeno porte na região da reserva há décadas, podem melhorar a sua produtividade e a saúde do rebanho, sem a necessidade de desmatar novas áreas.

As ações atendem aos objetivos do projeto Mamirauá: Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade em Unidades de Conservação (BioREC), que visa “reduzir e transformar práticas que geram conversão florestal desnecessária, degradação ambiental e emissões de gases de efeito estufa”. Dentro dessa lógica, é fundamental que os criadores locais tenham à mão alternativas que possibilitem a pecuária agroecológica e sustentável na reserva, que abriga produtores de gado há pelo menos 50 anos.

“Quando as pessoas falam em criação de gado dentro da Amazônia, vem junto aquele peso do desmatamento. Mas, quando você lida com criadores tradicionais, entender a lógica de criação e entender que os campos já existem há muito tempo é muito importante. ”, afirma Jerusa Cariaga, pesquisadora do Programa de Manejo de Agroecossistemas (PMA) do Instituto Mamirauá.

O pastoreio racional

Sem a alternativa oferecida pelo sistema de Pastoreio Racional Voisin, o gado na região da reserva era (e ainda é) criado solto para pastar e beber a água do rio. Essa maneira de criação pode, eventualmente, empobrecer o solo, o que acarreta na procura dos animais por alimento em propriedades vizinhas ou na necessidade da derrubada de áreas de floresta para a criação de novas pastagens.

Outra problemática do antigo modelo está no consumo da água diretamente do rio pelos animais. Em um rebanho do tamanho dos que foram beneficiados pelo projeto – entre 30 e 40 cabeças – é comum que apenas os primeiros indivíduos a chegarem ao rio bebam água de qualidade. O resto do grupo fica com a lama – resultado do solo mexido pelos primeiros a chegarem. Há também o risco de atolamento dos animais, que pode causar perdas inesperadas para o criador.

No sistema PRV, idealizado pelo cientista francês André Voisin, são delimitadas áreas – denominadas parcelas – onde o gado fica confinado. Essas áreas abrigam o pasto que será consumido pelos animais, que ficam no máximo três dias em cada parcela. Além de se alimentar, o rebanho defeca e urina no solo, o que fertiliza a vegetação e permite que a pastagem se recupere enquanto as outras parcelas são utilizadas.

“O PRV é uma tecnologia agroecológica que não causa a dependência de insumos externos, como fertilizantes sintéticos.”, destaca Paula Araújo, veterinária do Instituto Mamirauá, uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). “Queremos que, com os recursos que o criador dispõe no local, ele consiga produzir e produzir com qualidade”, complementa.

A água

Para que o sistema PRV seja implementado de forma eficiente, os animais devem ter acesso à água dentro das parcelas. Essa necessidade revelou-se um desafio na região da reserva Amanã, isolada geograficamente pela enorme quantidade de rios que cortam o local. Por essa razão, as comunidades da reserva sofrem com a ausência de cabeamento elétrico público, o que obriga os comunitários a recorrerem ao uso de fontes alternativas de energia.

Sem energia elétrica, é dificultado também o acesso à água encanada – que necessita de bombeamento até os reservatórios. Para superar esse desafio, o PMA recorreu ao Programa Qualidade de Vida (PQV) do instituto, que há 20 anos trabalha com a instalação de placas solares para levar água encanada a diversas comunidades de reservas ambientais da região do Médio Solimões, no Amazonas.

A energia solar, mais barata a longo prazo que os geradores a diesel, mostrou ser a alternativa mais adequada ao projeto. Como em outros sistemas de abastecimento projetados pelo PQV, as placas solares foram colocadas em balsas flutuantes, o que evitaria problemas com o alagamento anual de parte das áreas da reserva.

Foram projetados três sistemas de captação e distribuição de água, que vai do rio (em um dos casos, de um poço) até um reservatório suspenso e de lá seria distribuída até um bebedouro móvel, capaz de atender a todas as parcelas. O bebedouro conta ainda com um sistema que, através de uma boia, automatiza a reposição de água. O projeto trabalha com a ideia de que o reservatório deve ter capacidade suficiente para fornecer água aos animais por pelo menos três dias. Isso permite que os criadores tenham tempo hábil para a solução de possíveis problemas no sistema.

Um projeto feito em colaboração

Segundo Jerusa Cariaga, a participação dos produtores ribeirinhos foi constante em todo o processo, desde a elaboração do projeto até as obras de fato. “Nós conversamos muito com os criadores que estão assessorados. Nenhuma das ações é pensada apenas aqui na sala.”, explica.

Ficou estabelecido que a construção do sistema seria feita em parceria com os ribeirinhos. “Eles coletaram a madeira nos roçados deles e na vizinhança, então não precisamos derrubar uma árvore sequer para implementar o sistema. ”, conta a pesquisadora.

Segundo Jerusa, a assessoria técnica oferecida pelo instituto e o envolvimento dos criadores são fundamentais para que o sistema PRV funcione. “Esses produtores são muito conscientes. É muito interessante quando as pessoas anseiam pela assessoria técnica. Aumenta a aceitação e a chance de dar certo.”

Os sistemas de dois dos três locais escolhidos para a implementação já estão, desde dezembro, funcionando parcialmente, com as placas solares e os reservatórios devidamente instalados. Os produtores têm agora a responsabilidade de adquirir e instalar o encanamento necessário para a distribuição da água, que já chega até o gado, mas ainda é levada manualmente. “Esses sistemas são extremamente eficientes. A gente consegue encher os reservatórios de 2.000 litros em 30 minutos, quando o sol está forte, e 1h40 se o dia está fechado.”, complementa Jerusa Alves.

Os sistemas de abastecimento de água projetados para Monte Sinai, Igarapé do Gavião e Sítio Cacau, na reserva Amanã, são modelos experimentais que apresentam uma solução alternativa eficiente para a criação de gado de pequeno e médio porte na Amazônia. As ações do BioREC são realizadas com recursos do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“Estamos potencializando áreas que já estão sendo utilizadas há muito tempo. Com o manejo adequado, podemos impedir que as pastagens avancem para dentro da floresta. ”, ressalta a pesquisadora.

 

Fonte – Mamirauá

Foto – Divulgação

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