Inspirada pela minha vivência cotidiana com a morte, o processo de morrer e o luto, decidi explorar um sentimento que atravessa inúmeras relações humanas: o apego. Presente de forma sutil ou intensa, ele molda interações, desperta emoções profundas e influência a maneira como lidamos com as pessoas, com os objetos e até com aspectos intangíveis da vida. Ao longo deste texto, refletirei sobre os diversos aspectos do apego material.
Vivemos cercados por coisas: casas, roupas, carros, celulares, móveis, objetos de valor sentimental e/ou financeiro. Passamos grande parte da vida buscando, acumulando, cuidando e, muitas vezes, nos definindo por aquilo que temos. Mas há uma verdade silenciosa, que muitas vezes evitamos encarar: um dia, tudo isso ficará para trás. É estranho pensar nisso — que haverá um último dia, uma última respiração, um último olhar para o céu. Ainda mais estranho é lembrar que, quando isso acontecer, todas as coisas que tanto protegemos, guardamos e desejamos simplesmente ficarão. A casa que construímos com tanto esforço. As roupas dobradas com carinho no armário. O carro que lavamos aos domingos. Os objetos que acumulamos ao longo dos anos — lembranças de viagens, presentes de datas especiais, conquistas materiais, diplomas e títulos. Tudo fica. Não levamos nada.
A morte é a única certeza da vida. E com ela, vem o luto — essa dor profunda que escancara a impermanência de tudo. Há uma verdade silenciosa, que muitas vezes evitamos encarar: um dia, tudo isso ficará para trás. O que parecia essencial se revela supérfluo. E percebemos que não somos donos de nada — apenas cuidamos, por um tempo. Nenhum bem material é capaz de acompanhar alguém no último suspiro. Nenhum carro de luxo, nenhuma joia, nenhum imóvel entra naquela tal caixa de madeira. Tudo fica. Ficam as roupas no armário, o perfume na prateleira, os livros na estante. E, principalmente, ficam os afetos, mas esses, sim, serão eternos na memória de quem nos ama verdadeiramente.
Não se trata de demonizar as coisas materiais. Elas têm seu lugar, seu valor. Não há nada de errado em ter coisas. O problema surge quando nos apegamos a elas como se fossem eternas, como se definissem quem somos, como se pudessem preencher vazios que só o amor, a presença e a experiência de viver podem preencher. O apego exagerado nos prende, nos torna ansiosos, nos afasta do essencial. A questão é: será que temos dado mais valor ao que passa do que ao que permanece?
O luto, embora doloroso, nos ensina, com sua linguagem singular e sincera, a rever nossas prioridades. Quando nos despedimos de alguém, lamentamos raramente o que esta pessoa tinha materialmente. Lamentamos a falta que ela fará em eventos futuros. Sua risada, sua presença, suas histórias, seus gestos simples. Isso é o que realmente importa. Isso é o que permanece. Quando partirmos, não serão os bens que falarão sobre nós. Serão os silêncios que acolhemos, as palavras que dissemos com amor, as mãos que estendemos, os olhares que oferecemos em momentos difíceis. Serão as memórias que deixamos nos corações, não nos cofres. Talvez o verdadeiro legado não esteja no que deixamos guardado, mas no que deixamos sentido. No amor que fomos capazes de oferecer. Na paz que cultivamos em silêncio. Na leveza de ter vivido com menos peso, menos medo, menos apego.
Viver com consciência da morte não é um ato mórbido. É um gesto de sabedoria. Nos torna mais presentes, mais gratos, mais leves. Nos ajuda a desapegar do excesso para valorizar o essencial. Porque um dia, tudo o que acumulamos deixará de nos pertencer. Mas o que fomos, o que sentimos e o que oferecemos de coração — isso, sim, viverá além de nós.
A vida é breve, e por isso mesmo, valiosa. Devemos cuidar do que temos, sim, mas sem esquecer que o mais importante não pode ser comprado: tempo, saúde, afeto, paz interior. Esses são os verdadeiros tesouros. São eles que deixam marcas reais quando partimos — e quando os outros partem. Por fim — e o fim sempre vem — tudo o que é exterior ficará. Só o que é essência continuará caminhando, nas memórias, nos gestos, no tempo de quem fica.
Para refletir: Para onde estamos direcionando nossa energia, nosso afeto e nossa atenção? Estamos realmente vivendo ou apenas acumulando experiências, tarefas e posses? Estamos de fato presentes no momento ou apenas ocupados em preencher o tempo?
Nazaré Jacobucci é autora do livro Legado Digital: Conhecimento, Decisão e Significado – Viver, Morrer e Enlutar na Era Digital. Responsável pelo Blog Perdas e Luto. Texto publicado originalmente no Blog. Reprodução autorizada.
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