É perceptível que a maioria das pessoas idosas se torna muito sistemática, tanto mais quanto mais avança em idade. Resulta de um condicionamento por rotinas que criam uma zona de conforto que oferece previsibilidade, porém pode estabelecer um distanciamento de novas experiências, que poderiam trazer oportunidades para vínculos significativos. No filme Nosso Amigo Extraordinário (EUA, 2023), Ben Kingsley interpreta com maestria um septuagenário solitário que repete sua rotina afastando-se das pessoas, inclusive da filha que lhe dá suporte, sempre encontrando desculpas para o filho que não o procura desde muitos anos.
Surpresas que interrompem o curso monótono da vida, da rotina adquirida ao longo dos anos, podem realocar ou, no mínimo, nos fazer repensar sobre a vida que levamos. (…) O retrato de uma vida pacata no subúrbio da Pensilvânia é filtrado pela rotina de Milton: suas caminhadas até a Câmara, onde, assim como outros residentes, apresenta sugestões de melhorias para a vizinhança, e os afazeres domésticos que repetem o padrão de comer, lavar a louça, assistir TV e ir ao mercado, vez ou outra acompanhado pela breve presença da filha, Denise (…), cuja preocupação se resume à saúde do pai.
Em uma noite como outra qualquer, uma nave alienígena cai no seu jardim. Ao contar sobre isso a outras pessoas, ele é visto como senil e desconsiderado, o que o leva a acolher o extraterrestre que aparece ferido. Acaba por aproximar-se tanto a ponto de compreender suas necessidades, juntamente com duas outras amigas que igualmente passam a ajudar o novo amigo, apelidado de Jules. Essa aproximação muda as rotinas dos três solitários.
A existência de Jules na vida de Milton torna-se o elo através do qual a sua solidão é ofuscada pela companhia de Sandy e Joice. Aos poucos aprendemos, junto a Jules, que a solidão individual de cada um do trio se dá por razões e circunstâncias distintas, mas ao mesmo tempo comum para aqueles que ficam: filhos que seguem suas vidas, erros não resolvidos do passado, a morte de um membro da família, auto-isolamento.
O estranhamento inicial transforma-se em um sentimento de proteção àquela criatura vulnerável, que igualmente passa a proteger os novos amigos, numa demonstração do quão importantes são os vínculos de amizade.
As situações que passam para proteger e cuidar de Jules sublinham o apego inquestionável a ele. Percebe-se que sua presença, além de dinamizar suas vidas, por vezes substitui ou preenche, mesmo que momentaneamente, a lacuna de alguém que já não faz parte delas. A perspectiva de perdê-lo — por isso os cuidados para que não soubessem de sua existência — reabre feridas ainda não cicatrizadas.
Vínculos de amizade são tão (ou mais…) importantes quanto os de parentesco, pois a presença de amigos oferece um suporte emocional que compensa as perdas irreparáveis ao longo da vida. É possível diminuir a solidão na velhice a partir de novas experiências com amigos, acrescentando atividades à rotina.
Fonte – Portal do Envelhecimento
Foto – Divulgação