O mecanismo de ação do fungo Moniliophthora perniciosa, que provoca nos cacaueiros a doença conhecida como vassoura-de-bruxa e traz grandes prejuízos aos produtores brasileiros, está sendo cada vez mais elucidado. Em artigo publicado no Journal of Experimental Botany, pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP relataram que o patógeno faz com que a planta cresça desproporcionalmente, drenando sua energia. E quando esta morre, ele coloniza as células necrosadas e se nutre com a lignina acumulada.
Em trabalho anterior, o grupo já havia mostrado que o fungo sintetiza o hormônio citocinina, que altera o equilíbrio hormonal da planta e leva ao crescimento excessivo dos tecidos infectados, competindo com a produção dos frutos e o crescimento das raízes, exaurindo a planta por meio de um mecanismo semelhante ao do câncer.
Agora, o grupo descobriu que o processo de infecção ocorre em duas etapas. Na primeira o fungo libera citocinina, que faz o cacaueiro produzir seu alimento favorito, a lignina, que ele consome na segunda.
O engenheiro agrônomo Antônio Figueira, professor do Cena e coordenador da pesquisa, explica: “Há dois tipos de patógenos de plantas: os biotróficos, que requerem tecidos vivos para se nutrir; e os necrotróficos, que se alimentam de tecidos mortos. Existe também uma classe híbrida, constituída pelos chamados hemibiotróficos, que infecta inicialmente células vivas e, em uma fase subsequente, passa a parasitar células mortas. O Moniliophthora perniciosa pertence a essa terceira classe”.
Segundo Figueira, esse fungo apresenta uma fase biotrófica muito mais extensa do que o normal, que se prolonga por cerca de 30 a 45 dias. Nessa etapa, os esporos germinam e dão origem a um micélio específico, mais grosso e irregular, que cresce entre as células do hospedeiro, sem penetrá-las.
“Ocorre pouca colonização dos tecidos. Por isso, é difícil observar por microscopia essas hifas dos fungos na planta infectada. Por outro lado, o tecido do hospedeiro apresenta os sintomas espetaculares da doença: superbrotação e engrossamento dos ramos. Ou seja, apesar de estar em baixa densidade no tecido, o fungo causa sintomas marcantes”, diz.
No artigo agora publicado, os pesquisadores demonstram que esse hipercrescimento funciona como um dreno de energia da planta hospedeira, reduzindo o número e o peso dos frutos e a biomassa da raiz. Tudo isso sem que haja uma maior produção de micélio do fungo.
“Na fase posterior da doença, ocorre a morte do tecido. E, então sim, os micélios penetram nas células e crescem bastante. Esse micélio é morfologicamente distinto, delgado e linear, e coloniza todo o tecido morto. Nessa fase, inicia-se, após um período, a produção dos cogumelos”, informa Figueira.
O novo estudo respondeu a uma pergunta que estava no ar. Ou seja: por que o fungo coloniza a planta, causa tantos sintomas e parece não se beneficiar com isso?
“Descobrimos que, durante a fase inicial, por intermédio do hormônio vegetal citocinina, o fungo induz na planta infectada uma alta produção de tecidos vasculares, cujas paredes celulares secundárias acumulam lignina. O acúmulo da lignina serve de nutrição ao patógeno após a morte do tecido”, esclarece o pesquisador.
As espécies próximas da Moniliophthora perniciosa são todas saprofíticas, nutrindo-se de tecidos mortos. Aparentemente, a causadora da vassoura-de-bruxa evoluiu para ser capaz de infectar tecidos vivos; modificar seu metabolismo para promover a síntese de seu alimento favorito, a lignina; e já estar presente na planta quando da morte do tecido. “Isso confere à Moniliophthora perniciosa uma clara vantagem competitiva em relação a fungos concorrentes”, sublinha Figueira.
Cacauicultura em crise
A vassoura-de-bruxa foi descrita pela primeira vez em 1919. Mas era uma doença que parecia confinada e endêmica no ambiente amazônico. No final da década de 1980, porém, ela se propagou pelo sul da Bahia. E, como decorrência, o Brasil, que chegou a ser o segundo maior produtor mundial de cacau, com safras de mais de 400 mil toneladas, teve sua produção reduzida para cerca de 100 mil toneladas na década de 2000.
O setor está se recuperando lentamente. Mas a Bahia, que era o principal Estado produtor, foi superada pelo Pará. E a produção nacional, contabilizada em 2020, ainda ficou bem abaixo do patamar alcançado no período áureo: 250 mil toneladas, a sétima posição do ranking mundial. Os novos estudos são muito promissores para o desenvolvimento de novas técnicas de manejo.
A pesquisa recebeu apoio da Fapesp por meio de sete projetos (16/10498-4, 13/04309-6, 16/10524-5, 17/17000-4, 15/00060-9, 18/18711-4 e 19/12188-0).
Fonte – USP
Foto – Divulgação