Eu me sinto muito velho, me tornei um velho. Não sei quando começou, mas ninguém mais me vê. Confessa o Sr. Faramarz à Sra. Mahin, quando estes se abrem um ao outro e falam docemente de suas angústias existenciais no filme “Meu bolo favorito” (distribuído pela Imovision), dirigido por Maryam Moghadam e seu marido Behtash Sanaeeha, ambos iranianos.
Mahin (Lily Farhadpour), 70 anos, vive sozinha em uma casa com um imenso jardim no Teerã desde a morte do marido e a partida da filha para a Europa. Ela não sabe manejar bem seu celular nem tampouco ler um menu via QR code, demonstrando como os velhos e velhas contemporâneas estão excluídas da sociedade.
Logo no início do filme há uma cena de Mahin com as amigas. Esta cena é um dos pontos altos do filme Meu bolo favorito. Nela fica expressa a crítica social à forma como as mulheres são vistas no Irã, mostrando de forma clara como a liberdade de mulheres iranianas é ameaçada por um regime tão opressor contra elas.
O diálogo que ocorre entre elas é bem interessante, falam do papel de mães, de mulheres oprimidas pelo sistema, de homens, de cuidado e de doenças, mas também falam da invisibilidade de suas velhices:
– Você anda por aí como uma idosa com os olhos baixos. Você não vê o que está ao seu redor.
O encontro com as velhas amigas, que moram longe, é tudo que ela tem. Até que ela conhece um taxista, Faramarz (Esmail Mehrabi), 70 anos, em um restaurante para aposentados em que tanto ela quanto ele estavam sós. E como uma grande mulher, crítica da Polícia da Moral, ela toma a iniciativa, o segue até o trabalho e o convida para um encontro inesquecível.
A conversa tem início com ele, que é aposentado pelo Exército, falando que a guerra não leva a nada e que está cansado de trabalhar tanto por quase nada. Mas, segundo ele, a “boa notícia é que não precisamos trabalhar depois da morte”. O humor está presente em todas as cenas.
Após ambos ingerirem um vinho caseiro (o álcool é proibido no país), começam a falar mais de si e de seus medos. A certa altura ele volta para a Sra. Mahin e pergunta:
– Você não tem medo de morrer?
– Não, mas tenho medo de morrer sozinha em casa, ela responde.
– Sempre me pergunto quem me encontraria se eu morresse sozinho em casa, diz o taxista.
Aliás, essa é uma questão muito presente em muitas pessoas. Tenho um amigo de quase 90 anos, que mora sozinho, e que há muito não tranca as portas de fundo de sua casa, a fim de seus vizinhos conferirem dia-a-dia sua existência.
Mahin e Faramarz, de forma sensível e gentil, aprofundam a conversa e falam da solidão. Ele, desejando que alguém cozinhe para ele que, em outras palavras, quer dizer alguém que o espere todos os dias e, ela, ter uma companhia para diminuir sua angústia e sua vida monótona. Ambos vão se identificando e encontrando um no outro a companhia e o amor que tanto desejaram. Os diálogos simples e convincentes são fantásticos.
Premiações
O filme Meu Bolo Favorito foi destaque no Festival do Rio e vencedor do Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Berlim 2024, que é composto por jurados com diferentes crenças, ideias e perspectivas. Também vencedor do Prêmio FIPRESCI – Melhor Filme pela Crítica no Festival de Berlim, 2024, levando para casa dois importantes prêmios do festival.
Imovision
Com mais de 35 anos de atuação, a Imovision se consolidou como uma das maiores incentivadoras do cinema de qualidade no Brasil, tendo lançado mais de 600 filmes. O catálogo da distribuidora inclui obras de diretores consagrados e filmes premiados nos mais prestigiados festivais de cinema, como Cannes, Veneza, Toronto e Berlim. A Imovision foi responsável por introduzir cinematografias raras e movimentos internacionais expressivos no Brasil, como o Dogma 95 e o cinema iraniano.
Meu bolo favorito – Trailer Oficial
Fonte – Portal do Envelhecimento
Foto – Divulgação