O aumento da população idosa no Brasil sugere investimentos específicos nas necessidades desse público, seja em adequações de moradias ou de outros espaços e produtos. É por isso que especialistas chamam a atenção, principalmente, de setores como o da construção civil e o de arquitetura para que se apoiem na tecnologia e reflitam sobre a longevidade.
Em 2017, eram 14,6% dos brasileiros com 60 anos ou mais, 30,3 milhões, e a estimativa é que cheguem a 25,5%, 58,2 milhões, em 2060. Para gerontólogos e urbanistas, é necessário observar as demandas da pessoa idosa, antecipando as principais questões do ambiente doméstico, como adaptações e artigos que devem oferecer acolhimento e satisfazer os desejos e emoções dessa população.
Por que adaptar moradias para idosos?
Paulo Fernandes Formighieri – Foto: Arquivo pessoal
Paulo Fernandes Formighieri, geriatra e médico assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, afirma que o fato de a moradia ser o local onde “passamos, senão a maior parte do tempo, uma boa parte do nosso tempo de vida”, deve considerar que, com o passar das décadas, do perfil funcional e das mudanças na rotina, esse período “em casa vai se prolongando”. O que exige reconfigurações do ambiente doméstico que contemplem as características dessa pessoa, agregando funcionalidade, praticidade, segurança, usabilidade, ergonomia e acessibilidade.
A discussão em torno da moradia voltada para a longevidade, acredita o geriatra, ajuda a mostrar as demandas do idoso ao mercado e setores específicos, sensibilizando-os para algo além do acolhimento – resultado de possíveis perdas funcionais e de capacidades, a moradia deve estimular ações positivas em relação à saúde (práticas ao ar livre e de exercícios físicos); inserir a tecnologia para facilitar tarefas cotidianas; privilegiar atividades de integração social e familiar e promover espaço para a individualidade e interesses pessoais do idoso.
Moradias tecnológicas que preservem as boas emoções
Na análise de Norton Ricardo Ramos de Mello, CEO de uma empresa especializada em desenvolvimento de projetos arquitetônicos de alta performance, conceitos de liberdade e autonomia norteiam as demandas da pessoa idosa. Assim, a promoção de segurança, por exemplo, também contribui para a independência do indivíduo. Essas necessidades, segundo Mello, podem ser supridas com mobiliários inteligentes, automação das residências e outros elementos tecnológicos.
Ainda nessa perspectiva, o especialista explica que é preciso “pensar que é um lar”, por isso, “temos que resgatar as boas memórias afetivas dessas pessoas” para trazer alegria ao ambiente. O que pode ser obtido através de estudo aprofundado de cores, contrastes, acessibilidade e iluminação. “Essas emoções devem ser preservadas, elas devem ser incentivadas, e esse conjunto de situações é que potencializa a longevidade independente e ativa por mais tempo”, afirma Mello.
O Brasil está preparado para atender a essa demanda?
Atualmente, adianta o CEO, nenhum país do mundo possui condições para isso; o que, de forma geral, causa impacto não apenas no setor da construção civil, mas em toda a sociedade, como saúde e educação, por exemplo. Ainda assim, avalia que o agravamento da situação brasileira se dá pela ausência de diferentes modelos de moradias, bem como da falta de uma moradia. Porém, acredita que essa realidade pode mudar através de melhores arquitetos e engenheiros. O olhar de uma engenharia mais afetiva, insiste Mello, deve trazer humanização a esses ambientes, “para que a gente possa conseguir conectar a emoção da pessoa idosa com o ambiente em que ela habita”.
Morar bem é prolongar a saúde
Maria Luisa Trindade Bestetti – Foto: Reprodução/Fapesp
É o que acredita Maria Luisa Trindade Bestetti, doutora em arquitetura e urbanismo e professora do curso de graduação e pós-graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Moradias com condições adequadas aos desejos e necessidades da pessoa idosa trazem mais felicidade. O que “não significa manter muitos objetos, não significa ter grandes espaços, mas sim um uso racional de energia, um uso adequado dos recursos tecnológicos e basicamente viver com felicidade”, garante.
Para Maria Luisa, o bom projeto arquitetônico considera o processo de envelhecimento e a tecnologia pode ser ótima aliada. “A pessoa idosa, com 60 anos, continua trabalhando, continua fazendo amigos, tendo a sua atividade de lazer e as suas atividades sociais com toda a intensidade. Se nós pensarmos que isso se prolonga por muitos anos, e que então a tecnologia pode oferecer um apoio importante para que isso se prolongue com qualidade, nós temos que incorporar os aspectos que possam atender a essas demandas”, defende a professora.
Fonte – USP
Foto – Divulgação