Cultura

No teatro, a dor feminina, suas manifestações e simbolismos

Como a potência do teatro pode ser transportada para o mundo virtual? Quem responde é a atriz Dulce Muniz, artista importante na luta contra a ditadura, ao transitar entre dores pessoais e institucionais – acompanhada de Beto Kpta, violinista e ator. Em “Trinta Anos esta Noite ou O Espelho Negativo”, ela interpreta um texto que faz a relação entre momentos significativos de sua vida e a história mais recente do Brasil.

Trata-se de um solo teatral que aborda como tema a dor feminina, suas manifestações e simbolismos, além da relação da atriz com a Síndrome de Fibromialgia. Para quem não sabe, a fibromialgia, uma dor que se instala no corpo e permanece, tem características peculiares. Acomete principalmente em mulheres, provocando impacto negativo no cotidiano das pessoas. Como se não bastasse, essa doença invisível, compromete a capacidade de desenvolver atividades rotineiras e manter relacionamentos saudáveis, afastando muitas vezes a pessoa do trabalho e levando-a ao isolamento.

Apesar dessas profundezas da dor, Dulce Muniz se mostra presente e conduz o espetáculo por outras dores e experiências, como a tortura, desaparecimento de presos políticos e a vida de mulheres, negros e indígenas, deixando em outra dimensão, sua dor crônica, a Fibromialgia, diagnosticada em 2005, provocando dores intensas nos músculos, tendões e ligamentos, além de fadiga, insônia e depressão. Então, deu seu primeiro passo e foi buscar por conhecimento e também por ajuda: entrou para um grupo coordenado pela psiquiatra Dra. Neuza Steiner e conheceu outras mulheres com histórias para contar sobre a doença.

Deu a volta por cima. Concebeu a peça “Trinta Anos esta Noite ou O Espelho Negativo” e a estreou no Dia Mundial de Combate à Fibromialgia. Por isso ela coloca as dores como tema central, dores femininas, que se somam a outras dores, de perdas de seres queridos durante o período da ditadura militar e agora pelo negacionismo do governo do coronavírus.

Na peça, que acontece em um cenário composto por uma mesa pequena, uma cadeira, um cabideiro e uma vitrola, Dulce encena uma vida que é dela e também nossa. Os discos, fitas e CDs que incluem artistas como Chico Buarque e Billie Holiday embalam uma trilha sonora que comenta e contextualiza o texto de Dulce Muniz. A peça faz parte de um projeto contemplado pela Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc (Edital Proac Expresso Lei Aldir Blanc Nº 36), por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo e do Ministério do Turismo, Governo Federal.

Apesar das dores profundas, dela e do Brasil de ontem e de hoje, a atriz lança um olhar crítico sobre a maneira de lidar com a vida e sua arte: “Lembrar o passado, refletir o presente e projetar o futuro. O ‘meu tempo’ é esse, estou viva”, finaliza Dulce Muniz.

Quem é Dulce Muniz

A atriz nasceu em São Joaquim da Barra/SP, teve os seus primeiros contatos com a literatura e as artes cênicas pelas experiências escolares e pela observação atenta àqueles que a cercavam, com seus gestos e manias. Viveu o Golpe de 1964 ainda no interior, mas veio para São Paulo no ano de 1968 para estudar – ainda mais – sobre teatro e participar da oposição aos militares pela arte e militância: “É isso que me levou ao teatro: lutar contra a ditadura”, afirma Dulce.

Quando chegou na capital de São Paulo, participou do curso de interpretação do Teatro de Arena e foi aluna de Heleny Guariba, desaparecida até hoje após ser presa pela ditadura em 1971. Junto do grupo formado no Arena, apresentou a peça “Teatro-Jornal 1ª Edição”, com direção de Augusto Boal.

Após passar por outros palcos e trabalhar também na televisão, Dulce inaugurou o Teatro Studio 184 no ano de 1997. Em 2013, o teatro localizado na Praça Roosevelt ganhou o nome de sua ex-professora, tornando-se o atual Teatro Studio Heleny Guariba, onde Dulce apresentava presencialmente, antes da pandemia, o espetáculo de sua autoria “Trinta Anos esta Noite ou O Espelho Negativo”.

Aos 73 anos, a atriz conta a sua história com o intuito de compartilhar e levar para o coletivo suas reflexões.

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Fonte – Ascom

Foto – Divulgação

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