Medidas comerciais relacionadas ao clima estão gerando tensões internacionais, e a preocupação das lideranças mundiais é que elas possam criar barreiras ao comércio internacional e prejudicar a cooperação global em relação às mudanças climáticas.
Por isso, o Fórum sobre Comércio, Meio Ambiente e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (TESS), iniciativa sem fins lucrativos, criada em parceria com o Instituto de Pós-Graduação de Genebra e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, reuniu um grupo de juristas para refletir sobre o tema e apresentar propostas à Organização Mundial do Comércio (OMC), aos governos e a atores da sociedade ligados direta ou indiretamente às questões comerciais e climáticas. O objetivo é promover o diálogo e a cooperação internacional na elaboração de medidas comerciais relacionadas ao clima que sejam justas, equitativas e considerem as situações nacionais e capacidades distintas.
O resultado desse esforço conjunto é o relatório Princípios de Direito Internacional Relevantes para Consideração na Elaboração e Implementação de Medidas e Políticas Climáticas Relacionadas ao Comércio, elaborado por um grupo de 20 especialistas em direito internacional de diferentes países. O relatório foi apresentado na OMC no dia 14 deste mês.
O relatório destaca a importância de considerar princípios do direito internacional ao desenvolver medidas comerciais relacionadas ao clima, visando a uma resposta global eficaz e justa às mudanças climáticas e aos Objetivos de Desenvolvimento sustentável.
De acordo com o professor Umberto Celli, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, o único brasileiro a compor o grupo, a ideia foi “pensar em princípios do direito internacional que pudessem facilitar a concepção e implementação de políticas climáticas relacionadas ao comércio, de forma consistente e coerente”.
O objetivo, diz o especialista, é aliviar as tensões existentes e promover uma relação mais equilibrada, “especialmente entre países desenvolvidos, que já estão em estágios avançados na transição energética, e países em desenvolvimento, que enfrentam maiores desafios devido a circunstâncias naturais e escassez de recursos para fazer essa transição”.
Portanto, o grupo propõe que os países considerem seis princípios do direito internacional nas medidas comerciais relacionadas ao clima: soberania; cooperação; prevenção; proibição de discriminação arbitrária e injustificável; desenvolvimento sustentável, equidade e responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades; bem como transparência e consulta.
Em vista da dificuldade histórica de os países chegarem a um acordo para firmar tratados, especialmente no contexto ambiental e comercial, o professor Celli ressalta que a adoção desses princípios pode ser um caminho menos complicado para diminuir conflitos entre os países. “Por isso foi crucial sistematizá-los em um documento. Assim, buscamos princípios importantes tanto para o Direito Internacional do Meio Ambiente quanto para o comércio internacional para lidar efetivamente com a mudança climática”.
Como exemplo de princípios importantes nas duas frentes, o professor cita o da proibição da discriminação injustificável e arbitrária, já presente no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) incorporado à OMC, que estabelece que as medidas visando à proteção ambiental relacionadas ao clima não devem criar barreiras discriminatórias ao comércio internacional.
Os especialistas acreditam que trabalhar com princípios é mais viável, pois eles servem como diretrizes para os países na adoção das medidas e políticas climáticas necessárias, com impacto sobre o comércio internacional. “Esses princípios são coerentes entre si, como exemplificado pelo princípio da soberania, que está diretamente ligado ao princípio da prevenção. A soberania implica a autonomia dos Estados em questões climáticas e comerciais dentro de seu território, enquanto o princípio da prevenção exige que os Estados tomem medidas para evitar danos significativos ao meio ambiente.”
O relatório elaborado pelos especialistas do TESS detalha cada um dos seis princípios. Resumidamente, os princípios contêm o seguinte teor:
1) Soberania: refere-se à autoridade dos Estados sobre tudo o que ocorre em seu território, incluindo a capacidade de legislar e definir metas relacionadas às mudanças climáticas com base no Acordo de Paris, estabelecido em 2015. Isso se aplica ao comércio internacional, onde os membros da OMC têm o direito soberano de regulamentar no interesse público, inclusive para promover a ação climática, mesmo que isso limite o comércio.
2) Prevenção: exige que os Estados tomem medidas apropriadas para evitar danos significativos ao meio ambiente, incluindo danos além de suas fronteiras nacionais. Este princípio está presente em acordos climáticos como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), adotada em 1992, e o Acordo de Paris.
3) Cooperação: destaca a importância da cooperação entre países, mesmo com diferenças políticas, econômicas e sociais, para manter a paz internacional, promover a estabilidade econômica global e o progresso, e garantir a cooperação internacional livre de discriminação.
4) Proibição de Discriminação Arbitrária e Injustificável: este princípio impede que medidas comerciais adotadas para fins ambientais constituam uma forma de discriminação arbitrária ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional. Isso é fundamental para garantir que as políticas de combate às mudanças climáticas não prejudiquem injustamente o comércio.
5) Desenvolvimento Sustentável, Equidade e Responsabilidades Comuns, porém Diferenciadas, e Respectivas Capacidades: estes princípios são fundamentais para abordar questões relacionadas às mudanças climáticas e ao comércio internacional. Eles consideram responsabilidades comuns, mas diferenciadas, levando em conta circunstâncias socioeconômicas, históricas, emissões passadas e presentes, bem como capacidades técnicas, tecnológicas e financeiras dos Estados.
6) Transparência e Consulta: a transparência é fundamental para melhorar a eficácia da tomada de decisões, garantir a previsibilidade das regras multilaterais e promover a governança adequada. Isso inclui obrigações de transparência vertical e horizontal, incentivando a participação pública e o acesso a informações relevantes.
Os especialistas esperam que esses princípios sejam adotados de maneira articulada para minimizar as tensões existentes entre os países. “A consideração do desenvolvimento sustentável, equidade e responsabilidades comuns e diferenciadas, juntamente com capacidades respectivas, é particularmente importante para países em desenvolvimento, pois reconhece que diferentes nações têm capacidades e desafios distintos na esfera climática. Por exemplo, o mecanismo de ajustamento de carbono na fronteira, que leva em consideração como o produto foi produzido, pode violar esses princípios, criando tensões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.”
Em resumo, diz o professor, o relatório do TESS oferece um conjunto de princípios do direito internacional que “visa harmonizar medidas comerciais relacionadas ao clima com justiça, equidade e consideração das circunstâncias individuais dos países, promovendo uma abordagem mais equilibrada e cooperativa para lidar com os desafios das mudanças climáticas no contexto do comércio internacional”.
Fonte – Ascom
Foto – Divulgação



