A observação astronômica é uma tradição humana muito antiga, que remonta a cerca de 3 mil anos. Civilizações antigas, como os babilônios, assírios e egípcios, já tinham um vasto conhecimento astronômico por conta dessa observação. Não apenas a possibilidade de maior conhecimento sobre o cosmos foi possível por meio dessa prática, como os calendários, mapas e relógios eram pautados pelos astros. Também é graças à orientação das estrelas, da Lua e do Sol que a navegação surgiu e que a época da melhor colheita e plantio era conhecida.
Ocorre, contudo, que a observação astronômica vem sendo prejudicada nas últimas décadas. Por conta da iluminação das ruas, prédios, casas, entre outros, as cidades sofrem hoje não apenas com a poluição atmosférica, como também com a luminosa. Estudos revelam que, de 2011 a 2021, a poluição luminosa aumentou 9,6% ao ano. Isso muda completamente a aparência do céu noturno.
“A poluição luminosa é a incapacidade de ver o céu noturno como ele é naturalmente por causa da iluminação artificial das cidades, das casas e das ruas. Isso é bem comum na vida moderna, mas é algo que, se a gente for pensar na história da humanidade, é muito recente. Não tem mais do que um século, talvez menos que isso, na maioria dos lugares”, explica Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, professor do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
Skyglow
A pior forma de poluição luminosa é o skyglow, que são fótons emitidos, principalmente, por luzes da rua, entre outras fontes humanas de luz. É marcado pelo aumento da luz aparente no céu escuro e pode ser visto como um domo luminoso sobre as cidades, quando observado de longe. O que acontece é que esses fótons acabam se dispersando para a atmosfera. Os satélites e o lixo espacial em órbita também contribuem para a poluição luminosa, dificultando a observação astronômica das estrelas.
As emissões de luz detectadas pelos satélites aumentaram de 1992 a 2017 em pelo menos 49%. Porém, esse número pode estar errado. Isso porque a medição da poluição atmosférica é feita a partir de um satélite chamado Visible Infrared Imaging Radiometer Suite (VIIRS), que não capta as frequências de luz azul, emitidas pelas luzes LED.
Para se ter uma ideia, o mercado global de LED cresceu de 1% em 2011 para 47% em 2019. Isso significa que a maioria das lâmpadas hoje são de LED, especialmente aquelas de rua. Assim, grande parte da poluição luminosa está sendo “subnotificada”.
O skyglow pode ser afetado pelo aparecimento de novas fontes de luz em um país, mais do que a troca de uma lâmpada por outra. O que mais impacta é o tanto de luz que acaba dispersando dos postes, ou da iluminação das casas e estabelecimentos que, ao invés de ser bem direcionada ao solo, por exemplo, acaba indo diretamente para o céu.
Observação astronômica
Diferentemente de como acontecia em um passado remoto, hoje a observação astronômica não se refere exatamente à observação a olho nu, ou muito menos a alguém observando por um telescópio por horas a fio. Nos observatórios, imagens são capturadas a partir de intervalos de tempo de exposição às luzes dos astros. “O nosso olho não tem uma regulagem de tempo de exposição, então ele não serve para observações astronômicas profissionais modernas. Já serviu imensamente até meados do século 19; até a invenção da fotografia, em torno de 1840, todas as observações astronômicas eram feitas a olho nu. Porém, isso é passado, isso é história. Agora, os observatórios profissionais precisam de registradores de imagem, porque a maior parte da informação que vem de um alvo astronômico não vem na forma de uma imagem, você tem que decompor a luz nos seus componentes e observar o que se chama de espectro da luz”, explica Dell’Aglio.
Por isso, a observação astronômica fica comprometida: qualquer interferência de luz que não seja das estrelas e astros interfere na qualidade do espectro de luz a ser observado e estudado pelos astrônomos. Até mesmo a luz refletida em partículas de poeira das cidades pode interferir nessa observação. Esse é o motivo pelo qual os observatórios são construídos afastados das cidades. “A astronomia óptica depende, sim, de ter céus muito escuros, o mais escuro possível. Por isso, os observatórios astronômicos profissionais são sempre instalados em locais afastados da atividade humana, normalmente montanhas ou desertos, lugares mais retirados. Cada vez mais a poluição ótica [luminosa] começa a ser problema mesmo nos grandes observatórios astronômicos profissionais”, diz o professor.
Além de prejudicar a astronomia, a poluição luminosa tem efeitos negativos sobre a vida humana e animal. Ela confunde o tempo circadiano, afeta a produção de melatonina, os padrões de migração – tartarugas, pássaros e insetos são atraídos pela luz, o que faz com que migrem fora do tempo certo ou se arrisquem em áreas iluminadas não naturalmente, mas artificialmente, podendo levá-los à morte. Também, os ecossistemas marinhos estão sendo alterados pela poluição.
Iniciativas pró-céu escuro
Atualmente, mais de 80% da população é afetada pela poluição luminosa. Porém, algumas iniciativas estão tomando fôlego para melhorar isso. Em alguns lugares, como no Chile, Estados Unidos Continental e Havaí, já existem iniciativas para diminuir a iluminação perto dos observatórios. Reservas de céu escuro, assim como cidades que são adaptadas para isso – com o uso de iluminação pública adequada – também existem.
Uma das soluções, lembrada pelo professor, é a instalação de postes de luz que iluminem apenas a rua, não dispersando para o céu, e com pouca sobreposição de feixes de luz. Utilizar menos iluminação à noite também seria bom para diminuir a poluição luminosa. “Ter céu escuro não é só uma questão de fazer pesquisas de astronomia. Ter o céu escuro é poder acompanhar os ciclos naturais, o que faz parte da cultura, faz parte da educação, faz parte dessa nossa civilidade”, diz Dell’Aglio.
Fonte – USP
Foto – Divulgação