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Celas de gestação causam estresse e interferem em proteção que fêmeas suínas passam aos filhotes

Apenas cinco dias de confinamento em uma cela de gestação são suficientes, devido ao estresse, para fêmeas suínas reduzirem a diversidade da microbiota vaginal, passada aos leitões no nascimento, afetando a absorção de nutrientes e a proteção contra doenças do recém-nascido. A descoberta ocorreu em pesquisa realizada na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, e foi descrita em artigo publicado na revista científica Frontiers in Genetics no último dia 8 de abril. O estudo também verificou que não há mudanças na microbiota em fêmeas suínas mantidas ao ar livre durante a gestação. A colocação das fêmeas em celas de gestação, que desde 2013 é permitida apenas por quatro semanas nos países da União Europeia, deve ter seu uso eliminado no Brasil somente em 2045, de acordo com norma do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Atualmente, no País, é comum as fêmeas permanecerem na cela durante toda a gestação, que dura até 115 dias.

A microbiota presente na vagina de mamíferos é muito importante para povoar o trato digestivo do recém-nascido, aponta o coordenador da pesquisa, o professor Adroaldo José Zanella, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da FMVZ. “Quando uma microbiota saudável é passada para o recém-nascido quando sai do corpo da mãe durante o nascimento, ele tem melhores condições de aproveitar nutrientes e de evitar agentes patogênicos”, relata Zanella. “Este tema tem uma enorme importância para o Brasil, que é um dos campeões mundiais de cesariana em humanos, prática que não permite ao recém-nascido se beneficiar da seleção de micro-organismos que a mãe pode oferecer durante o parto.”

De acordo com o professor, mesmo legislações restritivas, como as que estão em vigência na União Europeia desde 2013, permitem que, após a inseminação ou cobertura, as fêmeas suínas sejam mantidas em celas por até quatro semanas, para monitorar um potencial retorno ao cio, que indicaria que a fecundação não ocorreu. “Para uma gestação de 114 ou 115 dias, esse período representa uma fração significativa de tempo em um ambiente que compromete o bem-estar animal”, ressalta. “No Brasil, a Instrução Normativa nº 113 do Mapa, de 16 de dezembro de 2020, prevê a eliminação das celas de gestação para suínos até o ano de 2045.”

“É importante ressaltar que as celas representam sérios desafios ao bem-estar animal, causando significativo nível de estresse nos animais alojados e, assim, comprometendo o sistema imunitário, favorecendo o aparecimento de doenças. O uso incorreto de antimicrobianos na produção animal é um dos maiores desafios para a saúde humana e animal”, alerta Zanella. Durante o doutorado, na Universidade de Cambridge (Reino Unido), o professor participou de estudos pioneiros que demonstraram os desafios que as celas de gestação oferecem às fêmeas suínas . “Há um risco de aumento no uso desses medicamentos quando eventos estressantes alteram a presença natural dos microrganismos e deixam o animal suscetível a doenças. As consequências para os humanos e para o meio ambiente do uso inadequado de antimicrobianos em animais são sérias e tema de crescentes discussões científicas.”

De acordo com o professor, o Brasil é o quarto maior produtor e exportador mundial de suínos, alcançando a marca de 4,89 milhões de toneladas em 2021, o que representa um aumento de 9,1% em relação a 2020. No ano passado, o “PIB da suinocultura”, que corresponde a toda a riqueza gerada pelo setor, chegou a 122,6 bilhões de reais. “A criação de suínos é muito importante para a agricultura familiar”, aponta Zanella.

 

Sistemas de produção
O estudo envolveu 36 animais, todos com a reprodução sincronizada. “As fêmeas sexualmente maduras foram mantidas inicialmente em instalações ao ar livre”, descreve o professor da FMVZ. “Cerca de cinco dias antes do cio, elas foram alojadas em três sistemas de produção: 12 foram alojadas ao ar livre, sistema que garante as melhores condições de bem-estar animal; 12 ficaram em grupos, em baias; e 12 foram mantidas em celas de gestação, comuns no Brasil e em muitos outros países.”

Durante todo o período de estudo, os pesquisadores acompanharam o comportamento das fêmeas suínas, o nível de cortisol salivar, que é um indicador de estresse, e foi coletado material do canal vaginal, para monitorar a presença de micro-organismos. “No dia do cio, os animais receberam uma substância que simula uma doença infecciosa, um lipopolissacarídeo, presente na membrana de bactérias”, relata Zanella. “Após a simulação de doença, monitoramos a temperatura dos animais, mantivemos a coleta de material vaginal e de saliva, e continuamos a observar o comportamento. A microbiota vaginal ao longo do experimento foi monitorada através de extração de DNA do lavado vaginal, e análise do gene de bactérias por sequenciamento.”

Segundo o professor, a pesquisa descobriu que cinco dias de alojamento em celas de gestação reduziram a diversidade da microbiota vaginal das fêmeas suínas. “Também descobrimos que as fêmeas mantidas ao ar livre são mais resistentes na proteção da microbiota vaginal diante de agentes simuladores de doenças”, enfatiza. “O uso do lipopolissacarídeo para simular uma doença mudou a microbiota de fêmeas suínas em celas e em grupo, porém não modificou a microbiota em animais mantidos ao ar livre, confirmando os benefícios diretos deste tipo de alojamento para o bem-estar e para a saúde das fêmeas suínas prenhas e, potencialmente, da sua prole.”

A pesquisa teve como ponto de partida o trabalho de mestrado da aluna Luana Alves, primeira autora do artigo, realizado no Centro de Estudos Comparativos em Saúde, Sustentabilidade e Bem-Estar, do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal (VPS), orientado pelo professor Adroaldo José Zanella. Para o mestrado, Luana recebeu bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Participaram do trabalho pesquisadores da FMVZ e da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, da Universidade de Passo Fundo (UPF), da Universidade da Califórnia (UC Davis), nos Estados Unidos, e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. A pesquisa teve apoio da MSD Saúde Animal, Humane Farm Animal Care e do Centro de Genômica Funcional da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, em Piracicaba, e dos professores Lara Keid, Andrea Micke Moreno, Luiz Lehmann Coutinho, André Furugen, Donald Broom e Ricardo Perecin Nociti. O estudo foi financiado pelo projeto da Fapesp A contribuição do macho para o desenvolvimento de fenótipos robustos e o papel mitigador do bem-estar das fêmeas suínas, coordenado pelo professor Zanella.

 

Fonte – Ascom

Foto – Divulgação

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