Ciência e Tecnologia

De “Beto Rockfeller” até “Renascer”: telenovelas ainda conquistam público brasileiro

Pode parecer anacrônico, mas mesmo em tempos de streaming e smartphones, as novelas brasileiras resistem atraindo a atenção de milhões de espectadores em todo o País. Ainda que a audiência hoje não reflita os mesmos números de décadas passadas, a força da ficção televisiva brasileira permanece e continua a fazer parte da identidade dos brasileiros.

Recém-lançada no Portal de Livros Abertos, a obra Como a ficção televisiva moldou um país: uma história cultural da telenovela brasileira (1963 a 2020), escrita pelo pesquisador Lucas Martins Néia, que também é roteirista, dramaturgo, diretor e arte-educador, explora a intrincada trama que delineia a história cultural do gênero ao longo de seis décadas. Para o professor, a telenovela “é uma expressão marcante da identidade nacional”.

O trabalho, que venceu um concurso interno de publicação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, foi disponibilizado gratuitamente em formato digital e em formato impresso. O que começou como um projeto de mestrado cresceu durante a primeira fase da pesquisa. “Fui indicado para o doutorado direto durante a qualificação do mestrado, com orientação da professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes”, relembra Néia.

De forma bastante abrangente, a pesquisa revela a telenovela como uma forma de comunicação estética e expressão social que influenciou a narrativa nacional ao longo do tempo. No livro, o autor examina como o melodrama e a memória brasileira se entrelaçaram nas tramas televisivas, combinando conceitos da comunicação com abordagens da história e dos estudos culturais.

O estudo foi dividido em quatro fases distintas, cada uma representando uma era na evolução da telenovela brasileira: fantasia ou sentimental (1963 a 1968); nacional-popular ou realista (1968 a 1990); de intervenção ou naturalista (1990 a 2015); e neofantasia ou neossentimental (2015 à atualidade).

Para exemplificar essas fases, Néia selecionou telenovelas emblemáticas, como Antônio Maria (Tupi, 1968), Roque Santeiro (Globo, 1985), O Clone (Globo, 2001) e Os Dez Mandamentos (Record, 2015), analisando suas representações espaciais e impacto na cultura brasileira. “A ideia era pensar a construção dos sentidos de identidade nacional a partir da espacialidade”, enfatiza Néia.

O trabalho não apenas analisa a história cultural da telenovela brasileira, mas também apresenta dados sobre o alcance e diversidade desse gênero ao longo dos anos. Com 677 telenovelas diárias listadas entre 1963 e 2020, transmitidas em diversas emissoras e ambientadas em diferentes regiões do Brasil e do mundo, o estudo revela uma complexa tapeçaria da cultura brasileira.

Não por acaso, o pesquisador explica que parte da motivação que o levou a estudar as telenovelas foi a lembrança do papel crucial da televisão em sua vida durante a juventude: “A televisão foi minha primeira janela para o mundo, porque sou da geração que tinha TV como babá eletrônica. Sou filho único, nasci em Curitiba, mas vivi toda minha infância e juventude em Jacarezinho, uma cidade do interior do Paraná”.

Ao refletir sobre o futuro do formato, Néia comenta como as transformações tecnológicas têm afetado a produção e consumo da ficção televisiva ao longo do tempo, destacando a importância de preservar o formato único e cativante das novelas brasileiras. ”Hoje em dia, é essencial considerar o papel das telenovelas no mercado, especialmente com o surgimento de serviços de streaming e o investimento em conteúdo por plataformas como a HBO.” De acordo com o autor, produzir uma novela “demanda particularidades que talvez não sejam totalmente compreendidas pelos executivos atuais”.

Por fim, o professor esclarece que, apesar de ter sido escrito em linguagem acadêmica, o livro também pode “servir de ponte” entre os pesquisadores do assunto e os fãs de novelas. “Essas narrativas abordam aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais dentro do contexto de produção das emissoras e é a investigação dessas tensões que nos ajuda a compreender nossa própria identidade, revelando tanto as representações visíveis quanto os silêncios. Silêncios que também vão dizer muito sobre a nossa identidade”, finaliza.

O e-book Como a ficção televisiva moldou um país: uma história cultural da telenovela brasileira (1963 a 2020) pode ser baixado gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP neste link.

 

Fonte – USP

Foto – Divulgação

 

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