Brasil envelhece e encarece. “Eu vejo muita diferença nos gastos de hoje em relação aos de quando era mais jovem. Coisas básicas que eu não atrasava agora tenho que atrasar”, relata a técnica em enfermagem aposentada Vera Maria Gomes, 69 anos. E isso se comprova nos números: a inflação acelerou de 0,69%, no terceiro trimestre de 2018, para 0,80%, no quarto trimestre, conforme dados da Fundação Getulio Vargas. O Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC-3i) chegou aos 4,75% diante dos 4,32% acumulados no ano passado. O IPC-3i mede a variação da cesta de consumo de famílias majoritariamente compostas por indivíduos com mais de 60 anos de idade. Ou seja, está mais caro ser idoso no Brasil.
Além disso, a transição demográfica é hoje uma realidade brasileira. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, o país tinha 28 milhões de idosos – o que equivalia a 13,5% do total da população brasileira. A previsão é de que, em 2042, a população de idosos atinja cerca de 25% do total. Por isso, de acordo com o professor de Pós-graduação em Economia da UFRGS Giácomo Balbinotto Neto, deverá haver mudanças significativas na economia: “A gente deve trocar um número alto de escolas, creches e pediatrias por cuidadores, casas geriátricas e geriatras”.
Já José Antônio Lumertz, professor do curso de Ciências Atuariais da UFRGS, alega que é preciso reconceituar quem é idoso. “Em 2003, o Estatuto do Idoso disse que quem tem mais de 60 anos é idoso, numa contextualização de que essa pessoa deveria ter tratamentos especiais. Mas será que realmente com 60 anos as pessoas hoje precisam desse tratamento? Tanto é que, em julho de 2018, saiu uma lei criando o idoso especial aos 80 anos. Na regra geral, definir o idoso com 60 anos é um erro muito grande. Inclusive porque estamos vivendo mais”, entende.
Para o professor aposentado dos cursos de Psicologia e de Serviço Social Sérgio Antônio Carlos, no entanto, não é possível generalizar. “Às vezes uma pessoa acima de 70 anos é diferente, em termos de necessidade e de limitações, de outra com 100 anos. E tu podes ter pessoas com doenças em qualquer idade, até quando criança: isso não é exclusividade do idoso”, defende. Adriane Teixeira, gerontóloga e professora de Fonoaudiologia da UFRGS, concorda: “Envelhecer tem seus aspectos negativos, mas também há questões positivas, assim como em toda fase da vida”.
Só que, para a professora aposentada Rita Abbat, 81 anos, ainda se tem uma mentalidade na sociedade de, aos 60, já ser velho. “Não é fácil”, comenta em relação a preconceitos. “E não é fácil porque somos a primeira turma grande de velhos. O Brasil envelheceu”, conclui.
Saúde
Em relação à saúde, a inflação é ainda mais alta. O professor José Lumertz explica: “A cada ano, a inflação médica é em torno de 15 a 18%, enquanto a financeira fecha em 6 a 8%. Isso porque nós vamos descobrindo novas formas de tratar doenças anteriores. É o preço que pagamos para essa longevidade maior”.
Já o economista Giácomo Balbinotto Neto observa as consequências desse desenvolvimento na área da saúde: “Hoje as doenças tendem a se cronificar, já que a pessoa pode conviver com elas por mais tempo. E isso exige gastos muito grandes com internação, hospitalização, planos de saúde, exames, consultas e remédios, que representam em torno de 54% da renda de um idoso. Sem falar que, numa idade um pouco mais avançada, muitas vezes, há a necessidade de cuidadores todos os dias”, completa. Para a aposentada Rita Abbat, a saúde pesa muito nas contas. “Eu não sei se apenas com salário de professora conseguiria cuidar disso. Tudo tens que pagar. Se teu médico te recomenda fazer ginástica, fisioterapia e exames, tens que pagar”, reclama.
A professora e coordenadora da UNAPI (Universidade Aberta para Pessoas Idosas), Adriane Teixeira, confirma: “A grande parte dos gastos das pessoas idosas acaba sendo com a questão da saúde. Muitas pessoas não conseguem fazer uma preparação para o envelhecimento. E o que acontece é que elas acabam tendo uma série de problemas e não têm como custear um plano de saúde. Quem ganha um salário mínimo não consegue pagar um plano privado. E a gente sabe que o SUS é muito bom, mas o acesso a tudo isso é complicado”.
O professor José Lumertz, que também é assessor atuarial das Unimed do Rio Grande do Sul, explica que valor do plano de saúde para essa faixa etária é alto por causa do grande “risco”. Assim, para ele, o problema não está no preço do plano em si. “Se ganhássemos uma boa aposentadoria, o plano de saúde não seria o problema. Hoje isso aparece no plano de saúde porque custa caro”, se posiciona.
A aposentada Vera Maria Gomes está pensando em largar seu plano de saúde por causa disso. “Eu só uso uma vez por ano para fazer aquele checkup e, dependendo do exame, além de pagar a mensalidade, ainda pago uma diferença. Que bom que não uso tanto porque é sinal de que eu estou bem. Só que vou ficar doente é se não tiver dinheiro para pagar as contas. E contratar cuidador é muito caro”, relata. A aposentada Maria Conceição Ribeiro, amiga de Vera, também está sentindo no bolso a questão do plano. “Pra mim, a parte médica está muito cara. Se eu pudesse, eu saía do meu plano de saúde”, relata. Maria ainda comenta que está fazendo economias: “Como eu vejo que meus filhos não vão ter estrutura para cuidar de mim, eu já estou guardando dinheiro para ir para uma clínica. Porque eu sei que eles não vão poder parar (de trabalhar). É difícil”, termina.
Só que isso não é a realidade de todos. A Pnad de 2008 aponta que existiam 140,7 milhões de habitantes sem cobertura de planos de saúde e 49,1 milhões com cobertura. Isso quer dizer que apenas 25,8% dos brasileiros têm planos de saúde, enquanto ¾ da população brasileira é dependente do SUS. O ex-presidente do Conselho Estadual do Idoso Sérgio Antônio Carlos também traz para discussão as farmácias populares. “Essas unidades te dão algumas medicações básicas. Só que são as mais baratas. As outras a pessoa tem que se virar. Há limitações de repasse de medicamentos e de atraso também”, denuncia.
Outros gastos
Sobre o transporte público nessa faixa etária, Sérgio Antônio Carlos reflete: “A pessoa idosa de baixa renda só vai ter isenção a partir dos 65 anos. Quando se precisar ir ao médico, vai ter que pedir carona para um vizinho, ou ainda pedir um dinheiro emprestado. E eu não estou nem falando em viajar, sair para veranear. Não é por aí. É para o dia a dia mesmo”. Já a aposentada Rita Abbat traz outro ponto: o da dificuldade física de se usar transporte público. “Eu tenho muita dificuldade em me locomover: antes andava de ônibus; hoje já uso mais o táxi”, relata.
A gerontóloga Adriane Teixeira também levanta problemas com a alimentação: “Os alimentos são muito caros. Pensar em comer melhor ganhando um salário mínimo é inviável”. A aposentada do Ministério da Saúde Maria Conceição Ribeiro, 68 anos, reclama: “Hoje o açúcar está de um preço, amanhã de outro, e a aposentadoria é sempre a mesma. Pra mim, a dificuldade está gritante”.
Mas a vice-coordenadora da UNAPI e professora de Fonoaudiologia na UFRGS, Maira Olchik, faz um contraponto: “Muitas vezes, envelhecer bem também depende do que a pessoa construiu a vida inteira. Alimentação saudável, atividade física e estudo. Claro que, quanto maior a renda, mais fácil. Mas eu acho que não dá para colocar a culpa só nas questões sociais”, defende.
Mercado de trabalho
Como reflexo desse alto custo de vida que a Terceira Idade enfrenta hoje, no Brasil, os idosos estão adiando a saída do mercado de trabalho. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, o número de idosos ativos – ou seja, trabalhando – já soma 7,2% da população brasileira. Em quase uma década, a participação desse grupo aumentou 35,8%. Enquanto 27% estavam no mercado formal, 45% atuavam por conta própria.
O economista Balbinotto Neto vê como uma tendência mundial. “Isso se dá porque esses idosos estão vivendo mais e porque as aposentadorias são baixas. Então, para o trabalhador e a sua família continuarem tendo um padrão de vida aceitável, tendo em vista também os gastos que ele vai ter de enfrentar, ele busca uma complementação na renda”, explica.
É o que Rita fez: “Eu sobrevivi todo esse tempo porque continuei ganhando depois. Tive que fazer uma poupança. Agora, sim, eu vivo apenas com a minha aposentadoria de professora. Viajar? Nem pensar. Eu só consigo fazer viagens porque eu me propus a trabalhar depois de aposentada”, comenta sobre ter voltado a atuar como professora. Já para a contadora aposentada Iara Alves, 71 anos, a história foi diferente: voltou a trabalhar por acaso como office girl. “Só parei porque estava abraçando muita coisa e estava me estressando demais. Mas adorei ter voltado a trabalhar. E hoje, se me convidassem de novo, eu iria. Eu não sinto a idade que eu tenho”, relata.
A participação dos idosos no mercado de trabalho avança, enquanto cai a da população mais jovem. Conforme a Pnad Contínua, nos últimos seis anos, o contingente de trabalhadores com idade entre 18 a 24 anos recuou de 14,9% para 12,5%, enquanto aqueles com mais de 60 anos passou de 6,3% para 7,9%. Isso pode ser considerado negativo para a Economia quando colocado em vista o mercado de trabalho – que necessita de jovens para executar funções em empresas e indústrias. Isso gera desemprego entre a população mais jovem e faz com que, em muitos lares brasileiros, os idosos sejam a principal fonte de renda – cerca de 45% deles, conforme Pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em 2018.
Além disso, se, por um lado, o estudo mostra que os idosos são de grande importância para o sustento de seus lares, por outro, se observa também que muitos deles apenas conseguem pagar suas contas, sem que haja sobras para realizar um sonho de consumo ou investir. De modo geral, 36% dos idosos brasileiros até conseguem pagar suas contas sem atrasos, mas fecham o mês sem recursos excedentes, conforme dados de 2018 do CNDL e do SPC Brasil.
Por isso, Giácomo vê a participação dos idosos no mercado de trabalho como algo positivo: “Essas pessoas já têm certa experiência e poderão passar para as novas gerações. Então, precisamos encontrar maneiras para assegurar que esse idoso ainda possa continuar trabalhando sempre que quiser”. Além disso, o professor lembra que planejamento financeiro, quando possível, é importante para se envelhecer melhor. “Recomendo que a pessoa guarde de 10 a 15% do salário hoje para um fundo de aposentadoria. Para encararmos a velhice não como um fardo, e sim como outro período no qual se possa desfrutar com uma renda adequada, com o melhor atendimento possível”, opina.
Fonte – UFRGS
Foto – Divulgação