Ciência e Tecnologia

“Sociedades em tempos de pandemia – Análises de conjunturas econômicas versus a crise na saúde pública, fundamentação na sociologia contemporânea”

Passamos por um momento grave. O novo Coronavírus (SARS-CoV-2) vem, direta ou indiretamente, ceifando milhares de vidas pelo mundo e ainda não temos uma solução realmente eficaz para combatê-lo.

Neste momento de crise, temos a oportunidade de mudar o sistema capitalista de produção e concentração de renda, desigualdade, destruição da natureza. Podemos lutar para reconstruir algo mais justo, onde a natureza e os povos da floresta sejam respeitados e valorizados (OMS, 2020).

“SOCIEDADES EM TEMPOS DE PANDEMIA:

ANÁLISES DE CONJUNTURAS ECONÔMICAS VERSUS A CRISE NA SAÚDE PÚBLICA, FUNDAMENTAÇÃO NA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA”

ANANIAS ALVES CRUZ – 1

JOHNSON PONTES DE MOURA – 2

RANNI PEREIRA SANTOS DANTAS – 3

1 – PROFESSOR ADJUNTO DOS CURSOS DE ENFERMAGEM, ODONTOLOGIA E MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS-UEA E DOUTOR EM CIÊNCIAS EM FITOPATOLOGIA- USP;

2 – ENGENHEIRO QUÍMICO E MESTRE EM ENGENHARIA QUÍMICA PELA UFRN; DISCENTE DO CURSO DE ODONTOLOGIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZONAS- UEA;

3 – Médica oftalmologista CRM PR 39762. Especialização em oftalmologia pela Clínica Oftalmológica de Pernambuco com conclusão em 2005, Fellow em Catarata e glaucoma pela Fundação Leiria de Andrade em 2006, observership em glaucoma pelo Jules Stein Eye Institute em UCLA/Califórnia/USA em 2006, Membra do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e da Academia Americana de Oftalmologia;

EMAIL: jsolar07@gmail.com

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Passamos por um momento grave. O novo Coronavírus (SARS-CoV-2) vem, direta ou indiretamente, ceifando milhares de vidas pelo mundo e ainda não temos uma solução realmente eficaz para combatê-lo.

Nada mais grave do que a morte da alma, do espírito, do ser. Nem mesmo a morte do corpo é tão triste. Os momentos difíceis da vida podem fazer o corpo sofrer e até perecer, mas o pior é quando desvela que o espírito humano não apenas agonizava, mas estava morto a algum tempo.

Qualquer epidemia que assole um país é alto traumático, duro e difícil não apenas de passar, mas de assimilar também. Imagine então uma pandemia! Deveria ser algo a ser lembrado pelas futuras gerações. Mas será que é assim que acontece mesmo? Aprendemos com os erros do passado para não voltarmos a pratica-los no futuro? O foco que norteia este trabalho é realizar uma análise epistemológica sob viés da Sociologia Contemporânea da pandemia de COVID-19 que a humanidade está passando, refletindo sobre o que ela pode significar para todos, as lições que podemos (e devemos) aprender, os erros cometidos antes e depois da mesma e possíveis caminhos para não apenas superá-la, mas para nos superarmos.

Vale ressaltar que não podemos encarar o possível fim desta pandemia como Retorno, como simples volta à Normalidade, porque foi justamente esta pseudonormalidade que provocou toda esta Anormalidade sob cuja provação estamos. Portanto, não podemos ou devemos simplesmente esquecer tudo e continuar com uma normalidade que tudo destrói: o planeta, as relações, o amor, a esperança e a vida. Vamos todos gritar e dar as mãos e almas para a construção de outra “normalidade” que tenha a emancipação, a igualdade, a justiça, a coletividade, a solidariedade, a fraternidade e a felicidade como princípios fundamentais de uma outra civilização, de uma outra existência.

É fulcral refletir que para a promoção da universalização da saúde no Brasil seria necessária, além da cobertura de serviços de saúde, a garantia de cobertura de proteção financeira, independente de divergências de conceito de universalidade entre a definição explicitada na Constituição brasileira e a da OMS. É uma afronta ao direito à saúde que as pessoas tenham que destinar uma importante parcela dos seus recursos para satisfazer suas necessidades sanitárias, ao ponto de levar parcela da população ao empobrecimento, afetando ainda mais a problemática social brasileira.

É indispensável pontuar que o Brasil, graças à luta do movimento sanitário durante a redemocratização, conseguiu emplacar na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) o Sistema Único de Saúde (SUS),público e gratuito — portanto, “desmercantilizando” a saúde para os pobres —, regido pelos princípios da universalidade, integralidade e equidade, hoje elogiado internacionalmente enquanto modelo de sistema de saúde pública, inclusive pelas Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Panamericana de Saúde (OPAS).Dessa forma, como ocorreu nos modelos de maiores performances em termos de proteção social, a universalização da saúde pública exerce papel crucial e lhes confere legitimidade pela função importante que exercem a atenção básica de saúde, a vigilância sanitária, os hospitais públicos e seus profissionais e investimentos e pesquisas científicas desenvolvidas pelas universidades, na maioria também públicas.

Vale ressaltar que apesar dos esforços dos profissionais da saúde, de governadores e prefeitos, o país enfrenta grandes dificuldades frente ao avanço da Covid-19, que se expressa: i. na carência de equipamento de proteção individual (EPI) para profissionais da saúde, ocasionando o afastamento de muitos por contaminação; ii. na insuficiência de máscaras de proteção individual, imprescindíveis à contenção do vírus, para atender os profissionais de saúde e a população em geral; iii. na incapacidade de realização de testes em massa, levando instituições públicas a subestimarem a gravidade do problema e adotarem medidas insuficientes à contenção do vírus; iv. na morosidade burocrática do plano emergencial em resposta às necessidades de sobrevivência das camadas socialmente vulneráveis; e v. na demora para transferir recursos a estados e municípios frente à velocidade com que o vírus tem avançado. Os cortes orçamentários nas áreas de saúde, educação e assistência social, desde a aprovação do congelamento do teto dos gastos públicos (EC 95/2016), com proposital desestruturação dos sistemas públicos de educação e saúde, afetaram profundamente a produção de ciência e tecnologia e a capacidade de atendimento à população em geral pelo SUS.

Na ausência de tratamento e vacinas, a projeção é que até 2022 tenhamos que conviver com medidas de distanciamento físico, isolamento, máscaras, lavar as mãos com frequência e impedir aglomerações. As mudanças necessárias nesse período têm sido chamadas de “novo normal”, que requererá muitas adaptações. A covid-19 acelerou mudanças que já vinham em curso, como trabalho em casa, compras pela internet, uso do carro, uso do celular para funções variadas, filmes e apresentações em casa. E trará muitos outros hábitos. Neste momento de crise, temos a oportunidade de mudar o sistema capitalista de produção e concentração de renda, desigualdade, destruição da natureza. Podemos lutar para reconstruir algo mais justo, onde a natureza e os povos da floresta sejam respeitados e valorizados (OMS, 2020).

Sociólogos/as e cientistas sociais, em geral, estão se mostrando mobilizados/as para produzir e compartilhar interpretações sobre os efeitos sociais e políticos da pandemia.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA]

Segundo Émile Durkheim, a norma é constitutiva (diz o que é norma no contexto social) e é reguladora(fixam as ações que devem ser observadas). Émile Durkheim diz que a sociedade gera as normas, os padrões através da consciência coletiva.

Karl Marx fala da infra-estrutura, a História da sociedade é a História de classes: trata-se de um conflito entre as classes, a norma é vista como elemento de dominação- para Marx, a ideologia de uma sociedade é a ideologia da classe dominante.

As normas não são neutras e são impostas pela classe dominante à sociedade.

Toda sociedade tem norma: normas que no processo de socialização, a sociedade vai colocando nas pessoas (Normatividade inerente à vida humana, faz parte da vida social). Toda vida social tem norma.

Émile Durkheim (1858-1917) compartilhava com Comte a preocupação com a ordem social. Caracterizava a sociedade industrial como que submersa em um estado de anomia, isto é, a ausência de regras claramente estabelecidas que pudessem reger e controlar a conduta dos indivíduos. A partir daí, em uma de suas teses sustentava que o estado de anomia incidia diretamente no crescente número de suicídios.

No período das pesquisas de Durkheim, as constantes crises econômicas, o desemprego e a miséria entre os trabalhadores estavam contribuindo para que o socialismo ganhasse força. Porém, Durkheim não concordava com as teorias socialistas que davam enfoque especial aos fatos econômicos como se eles fossem a raiz da crise. Ele sustentava a idéia de que os problemas não se resumiam à natureza econômica, mas sim à fragilidade da moral vigente.

Uma solução adotada por Durkheim seria restabelecer a disciplina, criando novas idéias morais a fim de resgatar a consciência do dever, possibilitar relações estáveis entre os homens e, por conseguinte, neutralizar a crise econômica.

Durkheim afirmava que os fatos sociais são coercitivos e exteriores às consciências individuais. Por exemplo, devido ao caráter impositivo desses fatos, os indivíduos, segundo ele, são levadas a se comportar de acordo com as regras preestabelecidas pelas gerações anteriores. Por isso, ele negava a existência da criatividade humana no processo histórico.

Os filósofos Marx (1818-1883) e Engels (1820-1903) merecem destaque por suas pesquisas de cunho sociológico e socialista. Esses dois estudiosos procuraram oferecer uma explicação da sociedade como um todo e, por isso, não estavam preocupados em fundar a Sociologia como disciplina específica. Em seus trabalhos, percebe-se uma profunda interligação entre os campos do saber.

A formação teórica do socialismo marxista constituiu uma complexa operação intelectual e crítica de assimilação das três principais correntes do pensamento europeu do século passado – o socialismo, a dialética e a economia política.

Anteriormente ao socialismo marxista, existiu o socialismo utópico, cujos principais expoentes foram Owen e Saint-Simon. Porém, na visão de Marx e Engels, embora os socialistas utópicos tivessem elaborado uma crítica à sociedade burguesa, eles não apresentaram meios para mudar efetivamente a realidade social.

Na verdade, os socialistas utópicos atuavam como representantes dos interesses da humanidade, mas de uma forma apolítica, não reconheciam em nenhuma classe social o instrumento para a concretização de suas idéias.

Inspirados pela dialética de Hegel, Marx e Engels ressaltaram seu caráter revolucionário, apesar de terem-na criticado por seu idealismo. Ao contrário de Hegel, Marx e Engels acreditavam que os fenômenos existentes não eram simples projeções do pensamento. Para eles, as sociedades humanas estavam em contínua e dinâmica transformação e o motor da história eram os conflitos e os antagonismos entre as classes sociais.

Criaram uma teoria científica de grande importância e inegável valor explicativo – o materialismo histórico, segundo o qual a investigação de qualquer fenômeno social deveria partir da estrutura econômica da sociedade. Os fatos econômicos seriam a base de apoio dos outros níveis da realidade, como a religião, a política e a cultura.

A análise da estrutura econômica da sociedade deveria ser orientada pela economia política, porém Marx e Engels não concordavam com os economistas clássicos em relação à idéia de que a produção de bens materiais fosse obra de indivíduos isolados, que perseguiam egoisticamente seus interesses particulares: O homem é um animal essencialmente social, diziam Marx e Engels. Desde os primórdios da humanidade existe uma constante relação de interdependência entre os homens.
Segundo uma análise de um ponto de vista Funcionalista de DURKHEIM, a sociedade é harmônica (ou seja, se existir desarmonia na sociedade, algum órgão não está funcionando bem).
Conforme esta visão teórica de DURKHEIM, no Funcionalismo, o indivíduo transgride quando foi mal-socializado (que este indivíduo interioriza o Direito quando há a socialização e, por sua vez, quem socializa são as Instituições como as escolas).

Num diagnóstico sob o viés epistemológico do sociólogo Émile Durkheim (Funcionalismo): os indivíduos estão mal formados socialmente, ou seja, moralmente mal-socializados: as instituições não transmitiram os valores da sociedade e este quadro de altos graus de violência contra a dignidade da pessoa humana como exposto neste período de Pandemia de COVID-19 na desestruturação conjuntura econômica e social brasileira.

Por sua vez, realizando uma análise partindo de um ponto de vista Marxista, a sociedade é desigual, injusta, gera transgressores: não é de caráter Conjuntural (conforme a visão DURCKHEIMEANA), ou seja, não é porque as Instituições sociais funcionam mal, é segundo Marx, a própria Estrutura da sociedade leva o indivíduo ao desvio, quando ele percebe que não funciona:; portanto, este indivíduo irá por vias alternativas como demonstrado de forma pormenorizada a formação dos traficantes e análise não-superficial das justificativas que levarem estes indivíduos a transgredirem às normas sociais, ou seja, a própria sociedade (especificamente a sua estrutura) gera estes indivíduos transgressores e segundo uma análise sociológica, só não se acabam com os desvios na sociedade, pois nem todos os indivíduos têm os meios legítimos (ou oportunidades).
A causa do desvio, conforme visão Marxista, é fruto das próprias desigualdades e disparidades sociais (conforme estas desigualdades estão sendo explicitadas no decorrer neste período de violência exacerbada de pandemia do novo Coronavírus na realidade brasileira), isto é, nem todos têm acesso ao ensino de boa qualidade, a um sistema de saúde equânime para todos brasileiros, aos empregos que dêem condições dignas de trabalho e de salários mais justos. Vale ressaltar que segundo a Doutrina sociológica de Karl Marx, a sociedade não é harmônica

Os efeitos sobre o mundo do trabalho e da economia são altamente comprometedores, e ameaçam toda uma forma de constituição da vida social, tal como a conhecemos. Assim, a pandemia do COVID-19 acentua o medo pandêmico já instalado nas sociedades contemporâneas (Bauman, 2008), um tipo de medo indeterminado e líquido, que agora encontra a sua razão de ser. Do medo ao pânico, a sensação de perigo indefinido e incerto, agora, encontra lugar certo e determinado a que se destinar. Por isso, lhe declaramos: guerra! Este nome, que estava latente, mas apenas não encontrava um inimigo que justificasse a sua perseguição, enfim, se manifestou.

Vale pontuar sobre as transformações no mundo do trabalho e em especial pela conjuntura de atual desemprego na sociedade brasileira pela reflexão da mais-valia proposta pelo sociólogo Karl Marx que, em rápidas palavras, como o trabalhador necessita ter acesso ao dinheiro para adquirir mercadorias, que são meios de sobrevivência, são valores de uso por sua utilidade, e ele não detém os meios de produção para gerar sua própria existência, ele é forçado a vender a sua força de trabalho, para ter acesso ao dinheiro, transfigurado no salário, visando a adquirir as mercadorias (casa, roupa, escola, lazer, cultura, alimentos etc.) que garantem a sua vivência. Mais-valia, portanto, é tempo de trabalho a mais que o capitalista apropria do trabalhador. E isso só ocorre porque aquele é detentor da propriedade privada que gera o meio de subsistência e existência, ou seja, as mercadorias. Mas para reproduzir o capital, o capitalista não pode investir os seus rendimentos em qualquer mercadoria, pois esse investimento tem que retornar à reprodução do capital, que são os meios de produção (maquinário, ferramentas, matéria-prima e força de trabalho), caso contrário, ele estará morrendo como capitalista. Pois, para o capitalista, ele precisa produzir “além de um valor-de-uso, quer produzir mercadoria; além de valor-de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais-valia)” (MARX, 2006, p. 220).

Diante do que foi exposto e observado na conjuntura social brasileira em termos de desemprego, temos que a superexploração da força de trabalho é a característica estrutural que demarca a condição dependente de um país e que sua ocorrência se dá em função da existência de mecanismos de transferência de valor entre as economias periférica e central, levando a que a mais-valia produzida na periferia seja apropriada e acumulada no centro. Isto configura uma espécie de “capitalismo incompleto” na periferia, por conta da interrupção de sua acumulação interna de capital, que só pode ser completada com a geração de mais excedente no próprio plano da produção, justamente através da superexploração do trabalho.

Com base nos argumentos explicitados, a existência de um exército industrial com a conjuntura de desemprego no Brasil, de reserva em si pode não concorrer para uma inferiorização imediata dos salários, pois mesmo em situações de diminuição do número de trabalhadores desempregados, os efeitos sobre os salários podem não levar diretamente a um aumento real, pois este irá depender, como já apontado antes, dos refluxos presentes no processo de acumulação e da correlação de forças entre as classes fundamentais. Ou seja, para Marx, “a relação de forças dos combatentes” traduz o elemento social e histórico, que é central para a análise econômica sob a ótica marxiana e faz dela toda a diferença quando comparada a análise econômica pautada em raízes formais e abstratas, pois carregado de possibilidades, o pensamento marxiano descarta o fatalismo e o imobilismo decorrentes do pessimismo. Assim, conforme Marx (apud MANDEL, 1985, p. 105),

A atualidade do pensamento marxiano, na análise quanto às inflexões provocadas pela acumulação capitalista sobre os destinos da classe trabalhadora, ratifica-se quando, apoiado em toda teia que enreda a funcionalidade da existência do exército industrial de reserva, recupera os contornos da chamada “superpopulação relativa”, sobre a qual, “[…] a população trabalhadora, ao produzir a acumulação do capital, produz, em proporções crescentes, os meios que fazem dela, relativamente, uma população supérflua. Esta é uma lei da população peculiar ao modo capitalista de produção.” (MARX, 2001, p. 734)

Mediante a ausência de informações detalhadas e completas do comportamento, da morbidade e da letalidade do Novo Coronavírus, e com a possibilidade do Sistema de Saúde não ser capaz de absorver a demanda crescente de pacientes, a opção pelo isolamento horizontal, onde toda a população que não executa atividades essenciais precisa seguir medidas de distanciamento social, é a melhor estratégia no momento. Além do impacto no cuidado dos pacientes, o isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país.

Portanto, a partir da Revisão ampla da Literatura Científica, podemos inferir de forma crítica e epistemológica as ações para o enfrentamento da crise atual desencadeada pela Pandemia do Novo Coronavírus em alguns pilares:

1 . Entender que o atual momento é marcado por enorme falta de informação e grande incerteza em relação a Covid-19. Essa incerteza se aplica à história natural da doença e sua evolução, ao impacto final no nível de saúde das pessoas e da sociedade, ao tempo que a sociedade vai ter que conviver com uma mudança radical no seu dia a dia, e aos possíveis desdobramentos sociais e econômicos consequentes à doença e às medidas que vão sendo tomadas.

Um nível de incerteza muito alto obriga gestores a rever quase que diariamente, com bases em novas informações que vão sendo acumuladas, as escolhas, políticas e ações que foram previamente determinadas. Isso torna crítica a capacidade de gerar informação detalhada, completa e confiável, em tempo real.

2 . Estruturar os sistemas de saúde público e privado para que tenham a capacidade de oferecer os cuidados necessários para a população, durante o período da epidemia a após o seu término. O sistema de saúde vai ter que administrar uma enorme demanda reprimida ao término da crise da Covid-19.

3 . Tomar medidas que permitam ao Sistema de Saúde atender todos os que necessitam de cuidado durante a crise da Covid-19:

3 . a. Reduzir o volume da entrada simultânea de novos pacientes no Sistema de Saúde para que se consiga atender tanto aqueles com diagnóstico de Covid-19 quanto aqueles com outras doenças e problemas que não podem ter o seu cuidado postergado.

3 . b. Aumentar a capacidade do Sistema de Saúde para atender com qualidade a uma demanda aumentada de pacientes, estruturando a operação de forma que ela seja segura para os profissionais de saúde, e trabalhando em iniciativas voltadas a hospitais, leitos, equipamentos como respiradores, Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Recursos Humanos.

3 . c. Iniciar programas de Telemedicina que vão auxiliar nos processos de diagnóstico e tratamento, permitindo que isso seja conseguido mantendo o distanciamento que protege profissionais e pacientes.

4 . Iniciar uma estratégia que permita estruturar e coordenar a retomada das atividades normais do dia a dia e da economia.

5 . Iniciar programas e pesquisas para avaliar as melhores estratégias de diagnóstico, prevenção, tratamento e monitoramento da COVID-19 e suas consequências.

6 . Criar um programa de Informação e Inteligência que consolide todas as informações críticas que vão permitir entender a doença e suas consequências e definir as políticas e ações adequadas.

7 . Trabalhar o Brasil com o detalhamento necessário por Estados ou regiões, permitindo que as ações e políticas sejam implementadas na sequencia ideal nas diferentes regiões do país, auxiliando nas estratégias de logística e transferência de recursos de uma parte do país para outra. Isso irá atenuar a compra de insumos e equipamentos de forma simultânea para todo o país, algo relevante não só pelo custo financeiro, mas também por uma possível escassez de recursos para compra que pode acontecer em diferentes momentos ao longo da crise.

8 . Pesquisar na busca de Vacinas e Tratamentos que atuem sobre a Covid-19.

Vale ressaltar que a pandemia veio para nos sacudir e dizer: nada será como antes. Não há segurança, carreira brilhante ou plano de saúde que possa nos assegurar de que tudo ficará bem e que as coisas voltarão a ser como eram. As verdades, que outrora nos guiavam, agora se tornaram líquidas – como os conceitos de Zygmunt Bauman – e escorrem pelas nossas mãos.

Historicamente, o século XX se encerrou com uma franca sensação de exaustão do projeto da modernidade. É a isto que chamamos, na vida intelectual, de contexto pós-moderno. E, assim, adentramos ao século XXI. Em 2001, quando do atentado às torres gêmeas de Nova York, o filósofo alemão Jürgen Habermas (Borradori, 2004) enxergou o primeiro evento do século XXI para a formação de uma esfera pública mundial. Agora, duas décadas corridas, vimos convivendo com as coisas de tal forma que: a política é vista como guerra, e não como tarefa comum; a intolerância, no lugar da tolerância, se tornando a linguagem do nosso tempo; o individualismo, no lugar da solidariedade, formando as consciências da ação social (Bauman, 2009); a destruição do meio ambiente, no lugar da preservação da natureza, como forma de acumulação; o estranhamento xenofóbico, no lugar da integração cosmopolita; o medo e a insegurança, no lugar da construção da confiança pela aliança com o outro; o acúmulo de armamentos, no lugar do ponto de finalização na corrida de instrumentos de destruição em massa (Bauman, 2008); a concorrência competitiva, no lugar da cooperação colaborativa; o imediatismo consumista e egocêntrico, no lugar do planejamento comum do justo distributivo futuro; o aumento das desigualdades globais, no lugar da integração cosmopolita e solidária; o financismo, na cultura econômica, no lugar da produção que gera oportunidades; o alastramento da fome e pobreza, que contrastam com a cultura do luxo e do excesso, com os desperdícios de toda sorte; o crescimento da população em situação de rua, em todo o mundo; o uso das redes sociais para atacar o(s) outros(s), no lugar de criar sinergias comuns; os maus-tratos, em escala massiva, a todas as espécies animais, até a exaustão dos recursos naturais e da biodiversidade em todo o mundo; o tráfico mundial de pessoas, a exploração sexual de menores e mulheres tornadas vítimas da escravidão sexual.

Os aprendizados são inúmeros e certamente um dos mais valiosos está nas relações que estabelecemos com o outro. O isolamento e impossibilidade do encontro face a face aumentaram a solidão e a sensação de abandono, que são “os grandes medos nestes tempos de individualização”, de acordo com o sociólogo polonês.

Elenca-se esta nova exposição de ideias, destacando o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que viveu no exílio até seu falecimento em 2017, ministrando aulas na Inglaterra e que defende a noção de que nossos tempos modernos, podem ser caracterizados enquanto “uma Modernidade líquida”, identificando desde as relações humanas e até mesmo o sujeito, tudo se encontra “liquefeito”, “fluídico” ou em outros termos, instável e efêmero. O que pretendo expor como ideia é que a partir deste mundo líquido, marcado pela globalização tecnológica, o que Bauman vai identificar enquanto “medo líquido”, torna-se cada vez mais intenso em nosso século XXI, pois vivemos e tememos a violência das grandes metrópoles, o medo da crise econômica que leva ao desemprego, o medo da rejeição amorosa, o de ficarmos fora da possibilidade de consumir, o medo do diferente e muitos outros. Medos que não apresentam uma forma única e definida. Muito bem! Formulo a seguinte questão para nossa reflexão: “Como a pandemia do Covid-19 se encaixa neste medo líquido, caso seja possível identifica-la com tal conceito?” Penso que para tentar refletir sobre tal questão, podemos destacar duas posições que foram e ainda são tomadas no contexto da pandemia: o Negacionismo, se identifica com o medo de não controlar o que pode acontecer o mudar tudo. Um medo referente a perda de um mundo estável. Um mundo controlável. A demonstração atemorizadora da liquidez da suposta normalidade estável. Há o medo da perda do mundo idealizado com a fluidez da estabilidade, seja social, econômica ou política. A não aceitação de que tudo é falível e efêmero, inclusive e principalmente a vida. Constrói-se uma realidade que possa determinar uma sensação de segurança, contra esse medo, o que pode levar e leva a atitudes de indiferença e irresponsabilidade com si mesmo e para com os outros. A outa postura denomino de Hipermedo: aqui o medo é tamanho, que existe também um negacionismo, mas referente a possibilidade de um novo refazer ou recomeçar, já que não haverá mais possibilidade de vida ou aspirar por um futuro, pelo motivo de que sendo tudo passível de se perder na fluidez, representada no caso pela ameaça do Corona vírus, nada mais faz sentido, a não ser esperar por um término de tudo. Estabelece-se uma inação, pela certeza hipermedrosa de que tudo se perderá e não faz diferença agir ou a atitude gera um tamanho pânico ou descontrole que em nada ajuda no enfrentamento do medo. São duas posturas extremas que no fundo guardam pontos em comum: o pavor da morte, sentimento passível a qualquer ser humano, e o anseio pela liberdade e segurança, um tipo de relação muito tensa em nossa atualidade. Talvez muito mais pela busca da segurança do que pela de liberdade. Deve-se observar que tais posições extremas, em nada contribuem para uma situação de pandemia na qual estamos experimentando. Então o medo é condenável? De forma alguma. O medo além de ser próprio de nossa condição natural, atuando positivamente para a nossa preservação e cuidado. Eu tenho meus medos como qualquer pessoa, inclusive do Covid-19. Medo por mim e principalmente pelos meus entes queridos, além de me preocupar com os outros. O problema é nos deixarmos ao mesmo tempo escravizar por ele ou criarmos uma personalidade de invulnerabilidade que não temos, negando nossos medos. Como enfrentá-lo? Não há uma receita pronta.

Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, vai asseverar que a reflexão sobre nosso medo ou medos é um meio bastante eficaz para compreendê-lo e conviver com ele, pois o que não conseguimos compreender e controlar, portanto o que nos apresenta de forma desconhecida, nos atemoriza. Reflexão que aqui não se assimila a mera abstração ou contemplação, mas sim com um agir de tal modo que possamos modificar nossas relações sociais, produções e ações. Aprendermos por exemplo, com o medo de que pandemias novas, como a do Coronavírus, surjam com mais agressividade e assim devemos pensar e realizar, práticas de solidariedade mais intensificadas. Mudar nosso cotidiano de tal maneira para que possamos buscar equilibrar a relação entre liberdade e segurança, questão que muito nos atemoriza. Pensar e atuar com o sentimento de que se vive ou convive-se em um mundo comum, que precisa ser melhor cuidado por todos, a partir do sentimento de responsabilidade assumido em todas as esferas sociais e políticas.

Desde o seu princípio, a temida Covid-19 esteve relacionada com elites que viajam pelo mundo e que trouxeram o contágio para seus respectivos países. As circunstâncias concretas exigiram a quarentena desses viajantes específica e rigorosamente determináveis, dentre os quais a maioria pertencia a elites políticas ou às classes economicamente dominantes. Medidas de quarentena em massa representaram um desvio de atenção conveniente em relação às medidas pouco firmes do próprio governo no que toca às elites recém-chegadas do estrangeiro. Nesse processo, reduziu-se todo cidadão a um potencial transmissor de Covid-19. Não foi possível identificar a doença com os trabalhadores pobres ou suas partes da cidade. As experiências vividas dessa assim chamada quarentena se provaram drasticamente diferentes para as classes privilegiadas e a massa trabalhadora. Os trabalhadores pobres desesperados e famintos aparecem em contraste marcado com as elites nacionais; dentre as quais uma maioria se arrebanhou e comprou as campanhas populistas do governo pela “necessidade” do lockdown; a importância do “distanciamento social”; considerações superficiais para com trabalhadores da área da saúde que no entanto continuaram a ter que lidar com a falta aguda de recursos como EPI’s etc.

As classes privilegiadas têm estado ocupadas “trabalhando de casa”, esse luxo que escapa às massas. Esse mesmo “lockdown” significou literalmente a ausência de trabalho para a maioria dos trabalhadores pobres. “Casa” se tornou um termo elusivo para um grande número de trabalhadores migrantes que se acumulam em cortiços improvisados perto dos seus locais de trabalho, como em canteiros de obras. Existe incerteza em torno das possibilidades de sobrevivência em cidades estranhas e hostis, fazendo com que trabalhadores imigrantes ficassem desesperados para retornar à segurança relativa da sua terra natal. Esse “lockdown” é uma grande oportunidade para refletirmos sobre o que fizemos de errado, não apenas durante o período da Covid-19, mas na década ou duas que o precederam. Não é vulgar tentar enriquecer. Vulgar é ver trabalhadores famintos caminhando por dias com crianças nas costas.

O “lockdown” em consequência da pandemia foi uma experiência nova para o mundo como um todo, algo para o qual ninguém estava preparado. É um ataque frontal às noções de mobilidade e conectividade fundamentais na sociedade humana hoje. Cientistas nos alertaram para o fato de que uma mutação chamada D614G na região da proteína spike do vírus SARS-CoV-2 – que causa a Covid-19 – é urgente por tornar o vírus mais contagioso.

Nesse sentido, há muitas dimensões da pandemia que requerem investigações urgentes. 1) O lockdown compulsório foi reforçado pelo medo voluntário. Estão todos preparados para o admirável novo normal. Esse foi um lockdown que destrancou milhões de indianos. Enquanto a Índia se abrigava em casa desde a última semana de março de 2020, uma parte do país ia às ruas desafiando a ordem de isolamento.

2) A migração deveria servir como um corretor para o olhar dos que ainda não compreenderam as crescentes vulnerabilidades urbanas da Índia. As pessoas se perguntam por que os migrantes não escutam os governos. Eles escutam, mas não se convencem de que os governos podem cumprir com suas próprias palavras. Isolados e desempregados, eles se baseiam na própria fé (ou falta dela, na verdade) mais do que em qualquer outro raciocínio.

3) Em todo o mundo, um pico de incidentes de violência doméstica está sendo reportado desde o início do lockdown. Quanto mais grave o abuso, maior é o impacto na saúde física e mental da vítima. Na nossa sociedade altamente patriarcal, os homens estão frequentemente presos a seu próprio machismo. Contrariamente aos mitos segundo os quais esse fenômeno é mais comum entre os mais pobres, na realidade nem as mulheres ricas ou de classe média estão poupadas dele.

4) O espalhamento do coronavírus resultou numa mudança nos mecanismos de gestão sanitária. Ainda que muito do lixo que produzimos seja domiciliar, a presença de detritos biomédicos nele ­– mesmo em pequenas quantidades ­­– faz do descarte especial uma necessidade. Atualmente, durante o lockdown, além de incinerar o lixo médico, o lixo comum de regiões em quarentenas e partes contaminadas de favelas é descartado em aterros sanitários com o uso de produtos químicos.

5) O risco de transmissão da Covid-19 por gotículas respiratórias e partículas aerossóis expiradas já foi bem documentado e cuspir, hábito na Índia, é uma das formas comuns de transmissão do vírus para além da respiração. Espirrar e tossir são condutas involuntárias em muitos casos, mas o uso de máscaras pode reduzir riscos. Já o cuspe é um ato consciente reforçado pelo hábito. Chegamos ao ponto de precisarmos de uma doença infecciosa virulenta para a maior parte das pessoas se dar conta da implicação entre higiene pessoal e saúde pública.

6) Outro inimigo invisível nos espreita: reportagens de diversos estados sugerem que o estigma e o medo da Covid-19 infligem dano adicional à sociedade, pois o estigma em torno de pacientes infectados chegou a desencorajar algumas pessoas a se testar num estágio inicial da doença. Esse tipo de impedimento não só representa um inconveniente para as pessoas como também atrapalha a retomada da atividade econômica já que produtores, fornecedores e compradores estão interligados entre estados.

A pandemia do SARS-Cov-2 nos humilhou e tornou mais humildes ao passo em que nos encontramos perplexos, inquietos e desamparados. Na verdade, o vírus não está vivo; ele é programado para se disseminar de forma exponencial, e quanto mais gente ele infecta, mais atrapalha nossas vidas. Seria necessário fazer avanços maiores e mais consistentes em direção à retomada econômica, com uma mudança de ênfase do “combate” à Covid-19 para sua “gestão” ou “administração” (já que ela não pode ser totalmente eliminada). Abdul Kalam, o ex-presidente da Índia, identificou cinco áreas que ajudam criticamente na melhoria das condições de vida, nessa ordem: saúde, educação, agricultura, comunicação e tecnologia crítica (como biotecnologia, nanotecnologia, farmacêutica). Outra área poderia ser adicionada à lista – a fé em Deus. Sem ela, poderia haver a melhor das tecnologias mas com o pior da humanidade. No fim das contas, nosso valor depende dos nossos valores. Nossa grandeza depende da nossa bondade.

Estamos em 2020, e de repente voltamos o foco para um tipo de saúde que possa nos salvar. A educação passou a ocupar o centro do palco na medida em que nossos filhos precisam estudar de casa. E se o lockdown continuar, a agricultura decidirá que nação poderá florescer. Alimentos e farmacêuticos se tornarão epicentros da economia, não apenas produtos de luxo.É necessário notar que nada do que foi feito anteriormente em nome do objetivo declarado de promover o bem comum institucionalizou de forma tão firme as iniquidades inerentes à nossa república quanto às consequências do lockdown. Num só movimento cirúrgico, ele deixou milhões de cidadãos – trabalhadores ocasionais e migrantes – abandonados, desabrigados, desempregados, desnutridos, sem dinheiro e trancafiados. No entanto, em tempos de distanciamento social e auto isolamento, é a comunicação virtual que nos ajuda a nos conectarmos mais do que nunca enquanto famílias, nações e seres humanos.

O novo Coronavírus chegou num momento em que o mundo já estava se virando para dentro, em grande parte em reação à crise financeira global de 2008. As nações têm levantado barreiras à liberdade de fluxo de pessoas, bens e recursos. Ele desmascarou todas as instituições sociais e seus atores. Seja a classe política, a mídia, a burocracia, a polícia, médicos ou mesmo um indivíduo comum, essa pandemia realçou o melhor e o pior da humanidade. Enquanto por um lado existe um ambiente de medo, preconceito, paranoia, humilhação e sectarismo político, por outro há uma onda de amor, apoio, bondade, empatia e caridade sem precedentes que reafirma a fé na humanidade. A pandemia também desvelou a hipocrisia e brutalidade dos magnatas, executivos e proprietários de grandes negócios. A incerteza da subsistência causaria mais danos às pessoas comuns que a pandemia. E os lockdowns forçam as pessoas a trabalhar, comprar, estudar e se divertirem em casa criando novos hábitos em graus variados que podem durar para além da pandemia.

Muitos países estariam se engajando numa forma de nacionalismo alimentar. França, Espanha e Itália estavam entre os países que pressionavam a União Europeia a proteger seus agricultores antes da pandemia, e eles farão mais pressão ainda agora. Muitos países poderão não estar dispostos a se expor ao comércio mundial, bancos globais e migração internacional. As economias seriam mais dependentes de indústrias locais. Pessoas de todos os lugares se recolhendo em zonas livres do coronavírus; buscando empregos, educação e entretenimento no mundo imersivo da economia on-line. A desglobalização do mercado financeiro está chegando às profundezas dos mercados de dívidas também. Os lockdowns econômicos podem reduzir o fluxo de caixa de empresas muito endividadas dos Estados Unidos, Europa e Ásia, ameaçando levá-las à falência e também onerando muitas delas com casos severos de fobias em relação à dívida.

O movimento para dentro inspirou muitas nações a repensar linhas de suprimentos que agora contornam o mundo e levam, na maioria das vezes, a fábricas na China. Motivado originalmente pelo crescimento dos salários na China e depois pelo crescimento das preocupações com as incertezas de se fazer negócios lá, esse movimento está em andamento há anos. Líderes de todos os estilos políticos assumiram poderes anteriormente impensáveis para fechar a economia, direcionar a produção, fechar fronteiras e colocar empresas na UTI e podem ainda ficar mais encorajados a perseguir estrangeiros. Embora a ascensão da economia virtual também seja uma virada para dentro, em direção ao trabalhador solitário seguro em casa em frente a uma tela, seu foco renovado em relação à eficiência e criatividade poderia aumentar a produtividade dos anos que vêm e aliviar a desaceleração global.

A pandemia está de fato trazendo o futuro mais para perto. Tendências que talvez demorassem cinco ou dez anos para se desdobrar o fizeram em semanas, em alguns casos, e todas apontam na mesma direção. Num momento em que uma resposta coletiva era necessária para conter a Covid-19, o establishment político, com ajuda da mídia e agências de RP tenderam a dividir as pessoas em nome de religião e regionalismos espalhando ódio e criando narrativas falsas.

Segundo a Revisão da Literatura realizada para escrita deste trabalho, os efeitos totais da pandemia ainda serão aferidos, mas veremos que a mudança já estava lá. Algumas tendências como a educação digital e o trabalho remoto (WFH, work from home) se acelerarão. Alguns hábitos serão interrompidos: não será possível viajar casualmente entre continentes. Não seria a primeira vez que uma crise de saúde pública causa mudanças na arquitetura e planejamento urbano. Propositores de políticas públicas serão forçados a questionar se estamos prontos para outra pandemia. Espera-se que as pessoas tenham medo de voar por um longo período de tempo, e peritos em aviação dizem que haverá uma redução drástica em voos ao redor do mundo. Além do medo, as tarifas podem chegar a um pico. Aqueles indianos andando nas ruas, famintos, despossuídos, quebrados, traídos pelo governo que levaram com seus votos ao poder, traídos pelas pessoas cujos negócios eles ajudaram a estabelecer – são eles as pessoas que construíram o lugar que agora te abriga nessa tempestade das tempestades. Eles não são trabalhadores migrantes: são os fundadores originais da sua casa. Se defrontar com a própria mortalidade pode nos incentivar a ser mais conscientes a respeito da forma como vivemos e do que precisamos. Os que ficam na fila fazem uma tentativa elegante de seguir as regras do distanciamento social. Mas a distância se desintegra quando o desespero os alcança.

Tendo em vista a magnitude da realidade pós-pandêmica em expansão, valeria a pena examinar essas mudanças da perspectiva das teorias estabelecidas: 1) entender como as pessoas usam signos e símbolos na construção de significados, enquanto percebidos pelos sentidos e interpretados como tal (Ferdinand de Saussure, Roland Barthes); 2) nada pode existir sem significado; tudo tem significado e ele emerge por meio do diálogo, qualquer que seja o nível em que esse diálogo aconteça, uma vez que viver é estar em diálogo (Mikhail Mikhailovich Bakhtin); 3) uma sociedade crescentemente preocupada com o futuro (e também com sua segurança) que gera a noção de risco e um modo sistemático de lidar com perigos e inseguranças (Anthony Giddens, Ulrich Beck); 4) ondas de racionalização tecnológica e mudanças no trabalho e sua organização; além disso, mudanças nos estilos de vida e nas formas de amar, nas estruturas de poder e influência, nas formas de repressão política e participação, nas visões de mundo e normas do conhecimento, que compreendem e remodelam toda a estrutura social (Ulrich Beck) além de outras mais recentes.

Hoje, em pleno século XXI, vivemos um novo período de transformações delineado principalmente por dois importantes fenômenos sociopolíticos que questionam o papel do Estado na preservação da vida: a proliferação da covid-19, símbolo da fragilidade do ser humano, e o assassinato do negro americano George Floyd, símbolo do racismo plurifacetado que sufoca o mundo.

As reflexões dos grandes pensadores da pós-modernidade, Zygmunt Bauman, Anthony Giddens e Terry Eagleton, certamente nos ajudam a refletir sobre este novo mal-estar que aflige a humanidade, provocando desconforto e estranhamento. Ajudam, mas jamais poderiam imaginar que alguém questionaria que a Terra não é redonda. Felizmente, a esperança na justiça, ciência, igualdade e solidariedade continua positiva.

Possivelmente, em breve, ouviremos falar da Era Pós-Pandemia ou da Era Pós-Verdade, como querem alguns. Creio que a geração que assistiu aos eventos-símbolo que designam a condição sociocultural e estética da pós-modernidade – dentre os quais cito a queda do Muro de Berlim em 1989, o colapso da União Soviética e a crise das ideologias nas sociedades ocidentais do final do século XX – entende que estamos em plena transição, inaugurando uma nova era.

Desde janeiro de 2020, identificamos novos pontos de ruptura: a pandemia, os movimentos antirracistas que ocupam as ruas das principais cidades americanas, europeias e brasileiras, e a falta de uma liderança mundial com capacidade para avaliar situações de risco, que comprometem vidas e os direitos humanos.

Trata-se, portanto, de uma mudança de paradigmas, que exige esforços coletivos com o objetivo emergencial de propor ações preventivas, profilaxias e recuperação da humanidade pós-pandemia. Como interpretar o fenômeno “covid-19”, que isolou os indivíduos em suas residências, iniciando um novo projeto reflexivo do eu e do nós? Como interpretar os slogans de protesto (re)editados por milhares de jovens portando máscaras antivírus, que, sem precisar de intermediários, retomaram o direito de ocupar as ruas e de protestar pelas vidas negras? Carregando cartazes improvisados em papelão, colocaram na ordem do dia, simultaneamente, a política da vida e da tolerância. Sinais indicativos de que a liberdade de expressão garantida pelas instituições democráticas sobrevive apesar das ameaças dos panfletários de extrema direita que interferem nas relações humanas, manipulando dados e negando-se a enterrar os mortos.

Hoje, em plena Era da Pandemia, considero que o fenômeno da globalização é revolucionário por permitir a ação imediata dos grupos que clamam pela política da vida e da tolerância. Potencializados pelas redes sociais, os movimentos pró-vida e antirracismo replicam suas vozes mundo afora, anunciando “para quem os joelhos dobram e sufocam”. Aproveitando-se do vácuo aberto pelas incertezas e injustiças da justiça, os jovens protestam, sem pedir autorização ou carteirinha do partido político. Contidos em suas residências por força do isolamento social, os cidadãos conscientes do seu papel social substituíram as buzinas das carreatas pelo som do metal das panelas e frigideiras que ganharam novos significados. Tais protestos reforçam a identidade do manifesto coletivo, sem distinção de cor, etnia, gênero e/ou classe.

Nestes tempos de incertezas devemos recuperar a capacidade que os seres humanos têm de indignar-se diante de todas as formas de violência e de humilhação. O direito à indignação é um dos mais nobres e humanistas dos valores fundamentais da democracia. Considerando o atual momento de extrema fragilidade vivenciado pela humanidade e, mais especificamente, pelo povo brasileiro, o desafio maior reside na capacidade do Estado de assegurar o pleno respeito aos direitos civis e políticos, até então incompatíveis com as necessidades básicas dos seres humanos.

Para ele, a ciência está envolvida com a procura de um valor fundamental: a verdade. E para aceder a ela é necessário observar a realidade. À diferença do senso comum, a ciência tem um olhar direcionado para aquilo que quer explicar, seleciona. Tem caráter lógico, ou seja, não é uma falácia, portanto, a forma de raciocínio não está baseada em argumentos falsos. Nesse caso o autor coloca um exemplo do pensamento ilógico: quando fazemos com que a exceção confirme a regra, ou quando poucos casos são generalizados para toda uma população. Em relação ao nosso chazinho, quando supomos que ele curou a minha gripe, e, portanto, vai curar a gripe de todos. Mas no debate entre as possíveis curas para a COVID 19, temos verificado que pessoas alheias à ciência, especialmente políticos, defendem, o uso da cloroquina. Nesse caso, a falácia seria: como temos uma substância, que em combinação com outras, ajudou a curar alguns pacientes internados com o novo Coronavírus, em condições hospitalares controladas, é deduzido que ela poderia curar tudo mundo, independente das condições e circunstâncias em que seja administrada. O fato de que sua efetividade tenha sido comprovada para casos específicos, ainda não permite o seu uso generalizado para todos os casos, como o explica o principal infectologista americano, Anthony Fauci, que comanda a equipe da Casa Branca para combate à pandemia. Outro exemplo recente de falácia lógica tem se constatado quando algum chefe de estado afirma que a pandemia é uma “gripezinha”, independentemente de que dados de estudos científicos no mundo inteiro mostrem que para um percentual importante daqueles infectados (20%), o vírus pode provocar complicações respiratórias graves, e a taxa de mortalidade sobre os infectados, na maioria dos países oscila entre 2% e 10%.

Por essa razão, a ciência, está interessada em provar a teoria na realidade dos fatos (caráter empírico). No nosso caso, deveria ser provado que é o chá e não outra coisa, que cura a minha gripe e também a gripe dos outros, ou é a cloroquina que cura todos aqueles infectados da COVID 19 (ou pelo menos a um amplo percentual dos infectados). Ou finalmente, o mencionado chefe de estado deveria citar dados e informações de fontes científicas confiáveis, que confirmem sua afirmação. Sem essas condições estaremos perante falácias do ponto de vista lógico e empírico. Então a procura da verdade na ciência está na construção lógica de argumentos, como também na comprovação na realidade dos fatos. Sim, isso é uma parte importante do conhecimento científico, dirá Thomas S. Kuhn ([1969] 2013).

É muito relevante ressaltar, que Earl Babbie, de forma sintética e simples, divide a compreensão da realidade para explicar a diferença entre ciência e senso comum, em três etapas: pré-moderna, moderna e pós-moderna. Na primeira, o que importa é a crença. Portanto, independentemente do fato em si, quando um chefe de estado afirma que “brasileiro pula em esgoto e não acontece nada”, como forma de assegurar que a população mais pobre que vive sem saneamento básico, teria anticorpos para um vírus que é novo, isso pode se tornar “verdade” para o grupo que segue esse líder, e não precisará de demonstração pelos fatos (dados). Também, é provável, que quem vive sem acesso à rede de esgoto, que segundo dados do IBGE são 74,2 milhões de brasileiros, dada a impossibilidade de sair no imediato da sua situação, seja influenciado por essa crença. Embora, as informações recentes vindas de estudos de caso nos Estados Unidos, já estejam indicando que o novo Coronavírus está afetando sim as populações mais pobres e com menor acesso a serviços de saúde.

A crença como a fé, não estão submetidas a provas de verificação ou de refutação da ciência. E a crença pode ser desenvolvida em função das características extraordinárias de um evento (ficar imune perante uma doença para a qual ainda não há cura) ou que emanam do discurso de um ser carismático no qual é depositada a confiança (Weber, 2004). No caso específico, a força dessa afirmação está baseada na crença e na autoridade daquele que a pronúncia, assim como no carisma atribuído a este, proveniente do campo da política ou do campo da religião, e não do campo da ciência. Voltaremos à questão dos campos mais adiante. Na concepção moderna de realidade, a ciência positivada, tem suas regras, tanto para elaborar o discurso como para provar que algo é verdadeiro. Para o sociólogo Max Weber (1919), o político se orienta por um objetivo instrumental, atingir o poder, enquanto o cientista tem por objetivo a procura de um valor, a verdade. O que não necessariamente significa que políticos não desejem trabalhar com a verdade como valor, ou que na atividade científica não haja uso do poder político. Esses elementos sempre se misturam. No entanto, quem concorde com Max Weber, pensará que cada um deles tenderá a procurar o que é mais caro a sua atividade (Weber, 1997). Finalmente, na noção de realidade pós-moderna, a realidade dificilmente é apreensível, incluído o discurso científico, já que “não haveria uma realidade objetiva que observar, senão só pontos de vista subjetivos”, ou diversos discursos do mesmo valor (Babbie, 2000). Esse debate tem a ver com o tema dos mecanismos de poder, e como ele se distribui e atravessa as classes, grupos e instituições na nossa sociedade.

Em relação à procura da verdade, o mais importante é o caminho que se percorre para sua procura. De novo a lógica entra em jogo. Neste sentido, outro cientista, Karl Popper (1902), coloca novamente a procura da verdade como uma meta, um valor a ser alcançado, sabendo que a verdade sempre é provisória.

Mas, para não perdermos o fio da meada, continuemos com a separação que Earl Babbie faz entre ciência e senso comum ou experiência. Esse cientista dirá que a ciência, além de procurar a verdade, tentará se aproximar da realidade dos fatos. É claro, sempre haverá alguém que vai questionar: mas existe a verdade, qual verdade, não são várias verdades, ainda mais em tempos de pós-verdade?

Outra questão será: o que é a realidade, como podemos apreender essa realidade, se a realidade são fatos e os fatos mudam, como podemos saber quais são os fatos reais e os que não são reais? Mas será que os fatos se apresentam como eles são ou eles dependem da percepção de quem os examina?

Essas perguntas não são novas. Os filósofos gregos já tinham esses questionamentos e procuravam respostas. Platão, discípulo de Sócrates, foi aquele que imortalizou o método dialético socrático em palavras escritas.

Karl Popper (1902) no seu livro intitulado “A lógica das ciências sociais”, levanta duas teses principais: 1) conhecemos muito e 2) a nossa ignorância é ilimitada. Novamente reaparece a frase do Sócrates: “Só sei que nada sei”. Isso significa que todo conhecimento é provisório e refutável (colocado em questão, podendo ser substituído por outro). Para o Popper, o conhecimento surge da existência de problemas, e o problema é definido como “a descoberta de uma contradição interna entre nosso suposto conhecimento e os supostos fatos”. Por exemplo: a epidemiologia através da história acumulou conhecimentos baseados nos fatos de diversas pandemias, muitas delas ocasionadas por gripes, como o caso da gripe espanhola no início do século XX, e a Influenza no início do século XXI. No entanto, nesta nova pandemia, os estudos indicam que o vírus tem semelhança com anteriores, mas também diferenças, e por essa razão foi chamado de novo Coronavírus. Uma das semelhanças é que ele tem características genéticas que variam, e até o momento foram identificados três tipos de novo Coronavírus de acordo ao seu origem. características é que tem uma velocidade de contágio e disseminação muito mais rápida do que os anteriores Coronavirus. Também foi observado que se comporta de forma diversa em relação aos diferentes segmentos da população, dependendo da idade e do sexo (segundo dados do relatório chinês). Mas percebemos que há diferenças nos níveis de contágio e disseminação de acordo aos países. Como a disseminação da doença depende do comportamento social, a quantidade de infectados por país dependerão das medidas de intervenção das políticas públicas para regular e controlar esse comportamento social. Assim como também da obediência das populações a essas medidas. Isso sem introduzirmos aqui a diversidade das situações socioeconômicas das pessoas cujos efeitos já começaram a ser calculados para alguns casos. Além disso, podem incidir as condições sociais da humanidade, incluídos os avanços das comunicações e da tecnologia, que provavelmente tem contribuído à disseminação acelerada do vírus em alguns locais mais do que em outros (mapeamento do trânsito aéreo). Esperemos que também a solução para a doença possa ser encontrada mais cedo, antes de que se produza um número muito elevado de mortes. A ciência acumulou conhecimentos sobre pandemias e gripes, no entanto esse conhecimento acumulado, embora sirva de base e seja útil, não é suficiente para que os cientistas possam saber como se comportar frente ao problema. Portanto, é nesse caso que temos um problema nos termos definidos por Karl Popper, já que não podemos agir frente a esse tipo de gripe, como nos comportamos perante as gripes anteriores. Nem os medicamentos, nem as vacinas existentes curam desta nova gripe. No entanto, na ciência, o conhecimento é acumulativo. Isso quer dizer: que perante a nova situação ou o novo problema, podemos tentar usar o conhecimento acumulado em situações semelhantes, e esse conhecimento acumulado nos permitirá verificar o que pode ou não ser aplicado na nova situação. Como os cientistas vão descobrir qual será a melhor solução? Testando. Ou seja, intentando, na experiência dos fatos, aplicar diversas soluções, algumas delas utilizadas em doenças anteriores ou para outras doenças. A maioria delas já testadas anteriormente. Mas se elas não funcionam, tentando novos caminhos sugeridos pela observação sistemática do que acontece no momento. Isso se chama refutabilidade. Frente ao problema, surge a probabilidade de que haja determinada solução, aplica-se na prática, verificam-se os resultados, e se esta não funciona tenta-se outra.
Os cientistas que estão monitorando, ou seja, descrevendo através de dados, quais são os resultados das diversas soluções testadas, mostram que o tempo em que se descobrem os primeiros casos, o tempo em que se fazem os testes para saber em que proporção esses casos estão incidindo sobre a população de cada país e a população mundial, os tempos em que os políticos tomam as decisões sobre as medidas preventivas e de contenção da expansão do vírus, todos esses tempos, incidem sobre a velocidade e o número de infectados e sua detecção, como sobre o número de pessoas mortas e a identificação das causais de morte. Frente a situações de tal gravidade, onde a cada segundo há que agir de forma direcionada e rápida, qualquer erro ou atraso na tomada de decisão pode custar vidas humanas, o valor fundamental a ser preservado. Os exemplos neste sentido estão sendo amplamente divulgados: a China agiu relativamente rápido, e ações de controle e isolamento foram estabelecidas de imediato. Embora em metade do mês de dezembro a presença do vírus já tivesse sido anunciada por um médico de Wuhan e por razões políticas não foi ouvido. Em dois meses se conseguiu conter o crescimento e expansão da doença, assim como o número de mortes. Outros países seguiram caminhos semelhantes. O caso de Coreia do Sul, mostrou a importância que tinha sobre a redução das mortes, testar a maior parte da população e proceder ao isolamento. Na Alemanha também se generalizaram bastante os testes, assim como o isolamento dos grupos que apresentavam maior risco de morte, como o dos idosos (pessoas com 60 anos ou mais). Em cada caso, se foi apreendendo algo novo sobre o comportamento da doença. E como levanta o filósofo sul-coreano Byun-Chul Han, também as diferenças culturais entre os países asiáticos e os países ocidentais influenciaram a velocidade de tomada de decisões políticas, assim como o tipo de medidas que poderiam ser aplicadas à população, mostrando que medidas de controle mais severas ajudam a conter a expansão da infecção e portanto, da mortalidade. Foi percebido assim, que os fatores culturais e sociais de cada país e das regiões incidiam no tipo de política pública e, também, no comportamento das pessoas e grupos frente a estas medidas, afetando o contágio das pessoas.

Será discorrido agora a relação entre o poder político e a ciência e que a utilização de uma política nefasta e negacionista brasileira pode comprometer indubitavelmente a luta para salvar milhares de vidas pelos profissionais da saúde no enfrentamento do novo coronavírus.

O poder sempre tem a ver. Já colocamos que decisões tomadas para a aplicação das políticas públicas, estarão na interseção de diversos poderes.

O poder político, do Estado como instituição, e dos governantes de turno, tem enorme responsabilidade. E como os dados mostram, as principais variações provêm das diversas políticas públicas que são tomadas. Os debates sobre a incidência das medidas de quarentena sobre a expansão da infecção pelo vírus, sobre a mortalidade e sobre as consequências no sistema econômico, são cruciais.

Por outro lado, o poder da ciência, do conhecimento, daqueles que tomam as decisões médicas e sanitárias, assim como daqueles que monitoram os dados e as informações em geral, são tão importantes quanto o poder político. Também são parte do poder político.

Citando o conceito de biopoder do filósofo Michel Foucault como: “o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais vai poder entrar numa política, numa estratégia política numa estratégia geral de poder.” (Foucault, 2008: 5).

Os mecanismos de poder são intrínsecos a todas as relações, e a análise destas é parte da análise global da sociedade. Nada lhe escapa ao poder, menos ainda a ciência.

Segundo (FOUCAULT, 2008), tanto que o saber tem intrinsecamente inseridos os mecanismos de poder, se constrói como saber-poder, já que os efeitos do saber “são produzidos em nossa sociedade pelas lutas, os choques, os combates que nela se desenrolam, e pelas táticas de poder que são os elementos dessa luta”. Não é em vão que autor chamava a filosofia como a “política da verdade”. O que traz novamente a questão da verdade na ciência, tanto como meta inatingível, quanto como representação das lutas de poder. Ou seja, a verdade da ciência, para o Foucault, está inserida no meio da disputa política.

Não é por acaso, que o comportamento dos líderes políticos perante a pandemia incide de forma decisória sobre as políticas para combatê-la, afetando as variações de infecção e letalidade. O posicionamento do chefe de estado no Brasil, contrário às recomendações da Organização Mundial da Saúde e da maioria das instituições científicas, está em confronto com a ciência. Muito interessante é notar, que independentemente da medição de custos e ganhos políticos, uma das rupturas mais radicais do atual poder político aconteceu justamente a partir da ciência. Estou me referindo às rupturas políticas produzidas entre o Presidente do Brasil e alguns dos seus aliados mais importantes. Incluímos neste caso governadores e ministros, alinhados politicamente com o Presidente, no entanto, perante os fatos científicos, acabaram posicionando-se contrários ao seu líder. É interessante observar como a ciência produz uma cisma, uma raja entre a ação baseada na fé, na fidelidade incondicional ao líder carismático e na crença, e a ação racional baseada na produção de verdade a partir do fato científico. O campo da ciência acaba tendo a última palavra.

Portanto, a ciência, embora afetada na sua aplicação prática pelas lutas sociais e políticas e as disputas de poder, segundo o sociólogo Pierre Bourdieu, é um campo que consegue ter relativa autonomia com respeito a esse mundo exterior. Quando houver a ingerência de um poder vindo de outro campo impondo os seus critérios sobre os da ciência, haverá um “ato de tirania”. Bourdieu (2004) explica muito bem como é que o campo da ciência consegue essa relativa autonomia:

“Ao contrário, quanto mais um campo é autônomo e próximo da concorrência perfeita, mais a censura é puramente científica e exclui a intervenção de forças puramente sociais […] para se fazer valer aí, é preciso fazer valer razões; para aí triunfar, é preciso fazer triunfar argumentos, demonstrações e refutações.” (Bourdieu, 2004: 32)

Isso quer dizer, que para produzir mudanças no campo da ciência, de nada serve fazer objeções desde o campo da política, ou tirar conclusões desde o campo da religião. Quanto mais o campo da ciência for autônomo (e para o autor ele tem autonomia relativa) só é possível estabelecer mudanças a partir das próprias regras e achados científicos.

Por isso, embora desde um ponto de vista diferente, o historiador da ciência Thomas S. Kuhn (1969) vai dizer que momentos de mudança nos paradigmas da ciência, que ele chama de momentos de “revolução científica”, acontecem quando as descobertas dos científicos obrigaram a ciência a “rejeitar a teoria científica anteriormente aceita em favor de uma outra incompatível com aquela” (Kuhn, 2013: 25). Essas inovações vão significar mudança tanto da teoria como dos fatos. Pode acontecer, que num dado momento, quando há “anomalias” que não podem ser explicadas pelo paradigma anterior, apareça um novo paradigma científico. Mas esse evento não só terá a ver com mudanças no mundo social ou exterior à ciência, senão com mudanças que acontecem dentro do campo do conhecimento científico. O fato de que os cientistas não acharam soluções para alguns problemas de forma repetida, pode levar finalmente a descartar o modelo de ciência a partir do qual eram propostas as soluções (Kuhn, 2013).

Cabe lembrar, que a construção de realidade pré-moderna, baseada na crença e na fé, veio a se desmoronar na sociedade moderna. Na modernidade, tudo era fato, a sociedade também, segundo o positivismo do Durkheim (1972), ser humano e natureza seriam governados pela ciência racional.

Mas será que essa seara científica da modernidade penetrou na semi-periferia do mundo? Neste caso do Coronavírus no Brasil, pode-se falar de uma ruptura entre o discurso pré-moderno e moderno da ciência, com resultados interessantes. Talvez, a reação frente a pandemia, tenha causado a divisão mais clara entre atitude mística, messiânica, de fé, e, portanto, pré-moderna, e atitude racional, científica, positivista e moderna. Esse embate num mundo atravessado pelo avanço da globalização econômica, da tecnologia e da reflexividade da alta modernidade nos faz pensar em diversas dimensões da verdade e leituras da realidade se entrelaçando.

Apesar da acirrada luta política, o discurso científico está ganhando, ele vence a disputa com aqueles que o querem negar, mas finalmente acabam cedendo a ele. Aparentemente, a maioria dos políticos não quer pagar os custos de altos índices de mortalidade preditos caso não haja política de quarentena e isolamento social. A ciência triunfa na sua versão mais positivista, estabelecendo causalidades, correlações, observando tendências e apontando probabilidades causais para cada uma das medidas de políticas adotadas. Recente pesquisa do Imperial College, que mede o impacto das diversas políticas públicas (Intervenções Não Farmacêuticas) em relação à mortalidade e a demanda de cuidados de saúde a causa de infecção de Conornavírus na Grã Bretanha e nos EUA, projetou diferentes cenários. Nestes, um dos resultados contundentes foi que se não se tomassem medidas de contenção, apostando na expansão da doença com a intenção de que se crie imunidade de manada, na Grã Bretanha haveria aproximadamente 510 mil mortes e nos EUA 2,2 milhões de mortes entre os meses de abril e julho. Enquanto que combinar o isolamento domiciliar de casos suspeitos, a quarentena domiciliar dos que vivem no mesmo domicílio dos casos suspeitos e o distanciamento social de idosos e outras pessoas com maior risco de doença grave poderia reduzir o pico da demanda de serviços de saúde em 2/3 e as mortes pela metade. Lembrando que o Primeiro Ministro Britânico, Boris Johnson, tinha apostado na primeira opção, mas acabou se orientando pelos resultados deste estudo, mudando sua estratégia inicial. Gradualmente o Reino Unido foi entrando na quarentena total com isolamento populacional. Um detalhe importante, é que no dia que os resultados do estudo do Imperial College foi publicado, o próprio Primeiro Ministro e o Ministro da Saúde do Reino Unido testaram positivo para a doença, e o número de casos confirmados com a COVID-19 era perto de meio milhão segundo dados do Systems Science and Engineering at Johns Hopkins University. Nessa data os Estados Unidos tinham ultrapassado o número de casos confirmados da China, pouco depois a Itália e a Espanha também ultrapassavam a China, além de que em pouco tempo a Inglaterra teve um crescimento exponencial dos casos de infecção e morte por Coronavirus e atualmente o governo recomenda seguir estritamente as indicações dos cientistas e médicos. Em todos esses casos houve demora em aplicar as medidas de isolamento social e quarentena generalizada. Ainda países que insistiram em atitudes mais flexíveis diante da doença, já tomaram medidas rígidas e restritivas da circulação social e de quarentena: Japão, Holanda, Suécia. Todos esses países viram disparar as curvas de contágio para além do esperado e do suportável pela capacidade hospitalar disponível. Pode-se afirmar que se opor aos estudos científicos formais da ciência positiva até agora produziu resultados catastróficos de contágio e mortalidade.

Um fato que tem chamado a atenção é a sistematização permanente dos dados globais sobre a pandemia realizada pela Universidade Johns Hopkins tendo como base os dados da OMS e dos órgãos de saúde dos países, nos Estados Unidos. No entanto apesar da pesquisa da Universidade John Hopkins gerar as melhores estatísticas em termos comparativos internacionais, com mapas que georreferenciam a expansão e letalidade do do novo coronavírus, o governo dos Estados Unidos foi um dos últimos a pôr em prática a política de isolamento, pagando neste momento o preço de ser o país com maior número de infectados e de mortes do mundo. As projeções realizadas pelo infectologista da Casa Branca, Anthony Fauce, indicam que o número de vítimas letais poderia chegar a cifras entre 100.000 e 240.000. Cifras que ultrapassam em três vezes o número de americanos mortos na guerra de Vietnã. Apesar da resistência, até o Presidente Donald Trump acabou se rendendo às evidências científicas. O custo da demora foi letal como mostram os dados das citadas fontes.

Apesar das tentativas, o campo científico parece ter conservado sua ainda relativa autonomia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A multiplicidade de visões sociológicas sobre a sociedade persiste ainda hoje. Acima disso, deve-se priorizar sempre a tentativa da Sociologia em compreender o homem e o seu mundo social. Afinal, os tempos mudam, mas a Sociologia acompanha o homem, ao longo da História da Humanidade. Homens tentando explicar os próprios homens em sociedade; talvez aí esteja a fascinação que a Sociologia exerce sobre nós. Portanto, a partir do arcabouço teórico ao estudar Sociologia, procurou-se neste trabalho acadêmico, entender os elementos essenciais do funcionamento de uma sociedade neste contexto de Pandemia de COVID-19 e encontrar respostas a questões como estas:

1) Por que as pessoas agem e pensam de uma forma e não de outra?

2) Por que existem tantas desigualdades nas sociedades humanas?

3) Por que as pessoas se relacionam umas com as outras de determinada maneira, normalmente padronizada?

4) Por que existem a política e as relações de poder na sociedade?

5) Quais são nossos direitos e o que significa cidadania?

6) Por que existem movimentos sociais com interesses tão diversos?

Neste levantamento de questões, a Sociologia nos ajuda melhor a entender essas e outras questões que envolvem nosso cotidiano, sejam elas de caráter individual ou coletivo. O fundamental da Sociologia como ciência social é nos fornecer conceitos e outras ferramentas como explicitados nos sociólogos contemporâneos Pierre Bourdieu e Anthony Guiddens e também dos sociólogos clássicos (Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber) para analisar as questões sociais e individuais de modo sistemático e consistente. Por meio da Sociologia, obtemos um conhecimento científico sobre a realidade social.

Vale ressaltar que a Sociologia nos ajuda ainda a pensar de modo independente, oferecendo instrumentos para analisar o conteúdo dos jornais e sites da internet, os telejornais e as entrevistas das autoridades públicas. Portanto, deixamos de ser manipulados por números, às vezes não retratam de forma fidedigna toda este contexto que estamos enfrentando de pandemia de COVID-19. Dessa forma, por meio da análise e do questionamento, percebemos o que os meios de comunicação ocultam, por exemplo, sobre os verdadeiros significados implícitos e contextos sociais (fatores sociais como as desigualdades raciais, de gênero, de desemprego, de falta de infraestrutura de saneamento básico) que são ocultados sobre os números estatísticos de infectados e de óbitos na realidade da pandemia do novo Coronavírus no Brasil e no mundo.

Conforme elencado neste trabalho, para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a Sociologia quando se coloca numa posição crítica, incomoda muito, porque, como outras ciências humanas, revela aspectos da sociedade que certos indivíduos ou grupos se empenham em ocultar. Se esses indivíduos ou grupos procuram impedir que determinados atos e fenômenos sejam conhecidos do público, de alguma forma, o esclarecimento de tais fatos pode perturbar seus interesses ou mesmo concepções, explicações e convicções.

No Brasil, além das projeções internacionais baseadas nas fontes anteriormente citadas, temos a análise de dados locais. Pesquisadores de diversas universidades públicas Federais e Estaduais, assim como da principal instituição em pesquisa epidemiológica, a instituição pública federal, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), vêm mapeando a evolução da pandemia no Brasil e no mundo, em cooperação com o Ministério da Saúde e com grandes centros de produção científica internacionais. Essas instituições estão constantemente desenvolvendo pesquisa para o desenvolvimento de testes, vacinas e possíveis medicamentos, assim como ações do atendimento médico, criando canais de informação accessíveis à sociedade. Apesar do conhecimento científico produzido, o chefe máximo do estado brasileiro insiste na divulgação de notícias falsas e promove medidas opostas às indicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos cientistas do mundo todo. Informação sobre subnotificação de casos infectados e de mortes são recorrentes e confirmadas pelo Ministério da Saúde, atribuída, como em outros países, à escassez de testes e a falta de notificação desde os estados e municípios. No entanto, de acordo às estimativas feitas pela London School of Hygiene and Tropical Medicine, o percentual de casos sintomáticos reportados pelo Brasil é estimado em 7,3%, superior aos 3,8% na França, 5,5% na Itália e 5,4% na Espanha. Mas inferior aos 12% estimados para os Estados Unidos, 29% na Alemanha, 32% na China e 56% na Coréia do Sul.[16] Segundo dados do Ministério da Saúde, o padrão de distribuição das mortes, segue o padrão de outros países: maioria pessoas idosas (77% com mais de 60 anos) e a maioria apresentava pelo menos um fator de risco (74%). Considerando raça/cor, as internações por COVID-19 são de 73,9% brancos e 23,1% pretos e pardos, enquanto as mortes são de 65% brancos e 32,8% pretos e pardos, com 2,8 e 2,5 amarelos respectivamente. A imprensa vem reportando mortes sem diagnóstico e aumento das mortes por problemas respiratórios agudos não diagnosticados desde há um tempo.

Em suma, apesar dos tempos da ciência, chegamos a um problema ético: há decisões que afetarão o direito à vida de milhares de seres humanos. Mesmo no meio dos embates, o campo científico continua a responder às suas próprias lógicas e distribuição dos capitais de conhecimento. Os agentes da ciência atuam com relativa autonomia, tentando impedir a ingerência do campo da política e da religião no seu trabalho e na orientação das políticas públicas.

Na chamada pós-modernidade, ou melhor, “alta modernidade” na denominação do Anthony Giddens, a ciência, como parte dos “sistemas peritos”, continua a orientar a maior parte do conhecimento. Mas, se levamos em consideração que uma das características da alta modernidade é a expansão da reflexividade para o resto da sociedade, vemos que temos versões leigas tentando competir com os conhecimentos da ciência. Outros campos, como o da política e da religião, tentam ter ingerência, embora a confiança na ciência ainda prevalece. Como sugere este autor, a política emancipatória da modernidade supus a libertação das “amarras da tradição e do costume”. Ainda supunha a redução ou eliminação da exploração, desigualdade ou opressão, sugerindo uma ética da justiça, da igualdade e da participação. A política-vida supõe “emancipação da rigidez da tradição e das condições de dominação hierárquica”, sugerindo a possibilidade de escolha entre diversos estilos de vida (Giddens, 2002). A situação atual nos encontra debatendo-nos ainda para superar os mitos da etapa pré-moderna, e para realizar os desafios emancipatórios da modernidade. Talvez a possibilidade de escolha entre estilos de vida ilimitados, superpõe-se como mais uma tarefa inacabada. Ela estava destinada a orientar as decisões sobre o próprio corpo, sobre a vida do planeta e sobre a própria continuidade da espécie. Em tempos de pandemia, a entrega ao conhecimento da ciência, aparece como um desafio enorme, apesar de ser parte da reafirmação do paradigma da mais clássica modernidade. O “retorno do recalcado”, entendido como aquele conjunto de crenças que foram aplacadas pela racionalidade moderna, reaparece com força nos discursos leigos, messiânicos e mágicos que pretendem conduzir as massas a partir da irracionalidade para um suicídio coletivo. Esse tipo de ação também aparece nas atitudes de líderes de seitas que recorrem à construção de identidades arcaicas, com discursos de salvação (Castells, 1999).

Portanto, a sociologia tem muitas implicações práticas para nossas vidas, primeiramente a Sociologia nos permite ver o mundo social a partir de outros pontos de vista que não o nosso. Se compreendemos precisamente como os outros vivem, também adquirimos melhor entendimento de quais são os seus problemas. Políticas práticas que não são baseadas numa consciência bem informada dos modos de vida das pessoas afetadas por elas tem poucas chances de sucesso. Por exemplo, uma assistente social branca, operando numa comunidade predominantemente negra, não ganhará a confiança de seus membros sem desenvolver uma sensibilidade às diferenças na experiência social que separam brancos e negros. (Giddens, A. Sociologia, Porto Alegre: Artmed,2005).

Segundo a obra Clássica intitulada de “Sociologia de Anthony Giddens: “A sociologia pode nos fornecer auto esclarecimento, uma maior auto compreensão. Quanto mais sabemos por que agimos como agimos e como se dá o completo funcionamento de nossa sociedade provavelmente seremos mais capazes de influenciar nossos próprios futuros. Não deveríamos ver a Sociologia como uma ciência que auxilia somente os que fazem políticas, ou seja, grupos poderosos, com o propósito de tomarem decisões informadas. Não se pode supor que os que estão no poder sempre levarão em consideração, em suas políticas os interesses dos menos poderosos ou menos privilegiados. Grupos de auto esclarecimento podem frequentemente se beneficiar da pesquisa sociológica e responder de forma efetiva as políticas governamentais ou formar iniciativas políticas próprias”.

Vale frisar a relevância do estudo da Sociologia. Quando começamos a estudar Sociologia pela primeira vez, alguns de nós ficamos confusos com a diversidade de abordagens que encontramos e muitas vezes questionamos de que nos serviria tais abordagens e conhecimentos. A Sociologia nunca foi uma disciplina em que há um conjunto de ideias que todos aceitam como válidas. Os sociólogos frequentemente discutem entre si sobre como abordar o estudo do comportamento humano e sobre como os resultados das pesquisas podem ser melhor interpretados. Por que deveria ser assim? A reposta está ligada a própria natureza da área. A Sociologia diz respeito as nossas vidas e ao nosso próprio comportamento, e estudar nós mesmos, é o mais complexo e árduo trabalho que podemos realizar, afinal somos indivíduos, e como indivíduos possuímos características individuais, peculiares. (Giddens, A. Sociologia, Porto Alegre: Artmed,2005). Os dedos das mãos fazem parte de uma mesma “estrutura” certo? Mas eles são iguais?

Em uma coisa todos os sociólogos concordam, que a Sociologia é uma disciplina na qual deixamos de lado nossa visão pessoal do mundo para olhar mais cuidadosamente para as influências que moldam nossas vidas e as dos outros (as) .A Sociologia não é apenas um campo intelectual abstrato, mas tem implicações práticas mais importantes para as vidas das pessoas. Aprender a tornar-se um sociólogo não deveria ser um esforço acadêmico maçante, a melhor forma de se evitar isso é abordar o assunto pesquisado de um modo imaginativo e relacionar ideias e achados sociológicos a situações de nossas vidas. (Giddens, A. Sociologia, Porto Alegre: Artmed,2005).

Voltando ao nosso debate sobre ciência, o que podemos destacar nesse momento em termos de “epistemologia” ou teoria do conhecimento?

1 – Estamos frente a um problema, já que existe contradição entre as soluções anteriormente propostas para fatos similares e os fatos atuais que demandam por novas soluções.

2 – O conhecimento acumulado através da história mostra que a humanidade passou por diversas pandemias, base da qual podemos partir, no entanto, devemos procurar soluções diferentes para um problema novo num novo contexto histórico-social.

3 – A partir da refutabilidade a ciência continua a agir em busca de soluções para problemas, mesmo que sejam transitórias, como neste caso com a pandemia. No entanto, quando o preço do fator tempo sobre esse exercício de hipótese, teste, verificação e refutabilidade, tem como custo perda de vidas humanas, supõe a aplicação de medidas que nos ajudem a ganhar tempo, mantendo as taxas de mortalidade o mais reduzidas possível. Neste caso foi demonstrado que essas medidas são as de quarentena de toda a população, e maior nível de isolamento de pessoas com maior probabilidade de risco de morte: idosos, pessoas com problemas respiratórios, diabéticos, pessoas com imunodeficiência, etc., como definido nos parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS).

4 – Sempre levar em consideração que os vírus e suas consequências se manifestam nos seres humanos, portanto, como já está sendo visualizado, os valores, as culturas, as crenças, e as decisões políticas incidirão nas consequências que a pandemia causa.

5 – Em relação com o item anterior, talvez estejamos num daqueles momentos em que para além do conceito formalista de ciência aqui aplicado, devamos considerar a emergência de novos paradigmas científicos, porque a realidade está mostrando que a complexidade, abrangência e intensidade dos nossos vínculos sociais nos faz pensar num momento de crise de paradigma (Kuhn, ), onde já não mais podemos conceber a doença no indivíduo, no corpo, sem entender o corpo nos fluxos das relações globais influenciados pela reflexividade e a tecnologia, e inseridas no mundo da natureza.

Uma forma de fazer isso é estar consciente das diferenças entre os modos de vida, que nós, nas sociedades modernas, tomamos por normais e aqueles de outros grupos humanos. Ainda que os seres humanos tenham muito em comum, há muitas variações entre diferentes sociedades e culturas. A prática da sociologia envolve a habilidade de pensar imaginativamente e afastar-se de ideias preconcebidas sobre a vida social. A Sociologia nos fornece os meios de aumentar nossas sensibilidades culturais, permitindo que as políticas se baseiem em uma consciência de valores culturais divergentes. (Giddens, A. Sociologia, Porto Alegre: Artmed,2005).

Para compreendermos a sociologia temos de estar conscientes de nós próprios como seres humanos entre outros seres humanos. Ao procurarmos ampliar a nossa compreensão dos processos humanos e sociais e adquirir uma base crescente de conhecimentos mais sólidos acerca desses processos, isto já constitui uma das tarefas fundamentais da Sociologia. Também neste âmbito as pessoas verificam que estão sujeitas a forças que as coagem. “Procuram compreendê-las para que com a ajuda desse conhecimento, possam adquirir um certo controle sobre o discurso cego dessas forças compulsivas, cujos efeitos são muitas vezes destruidores e destituídos de qualquer significado. O objetivo é orientar essas forças de modo a encontrar-lhes significados, tornando-as menos destruidoras de vidas e de recursos. Daqui decorre ser fundamental para o ensino da Sociologia e para sua prática de investigação, a aquisição de uma compreensão geral dessas forças e um aumento de conhecimentos seguros das mesmas, através de campos especializados de investigação.”

Refletir que, no momento, em que a pandemia de novo coronavírus representa uma emergência global incomparavelmente superior a ela, as autoridades internacionais estão levando em consideração a ajuda que outras formas de conhecimento podem oferecer além do conhecimento estrito. biomédica.

Mas provavelmente eles também possam nos oferecer algumas lições que nos permitem enfrentar melhor o que nos espera, pelo menos, a teoria sociológica e as outras ciências sociais e humanas com as quais ela dialoga, e isso é o que me preocupa.

Algumas teorias sociológicas mais complexas nos dão ideias para entender a especificidade histórica do momento em que estamos vivendo e que o coronavírus torna, se possível, mais urgente:

Conceitos como a “sociedade de risco” de Ulrich Beck, que aponta a ambivalência de nossas sociedades tecnocientíficas, onde a inovação tecnológica é uma fonte de ameaças (por exemplo, na rápida disseminação de rumores e notícias falsas sobre o vírus através de redes sociais) e uma ferramenta para sua solução (já que as redes digitais também são os principais meios para as autoridades informar a população);
O papel que Anthony Giddens atribui a sistemas especialistas (estatísticas, cálculos, fontes científicas, dados …) na modernidade reflexiva, sem a qual nem estaríamos cientes da magnitude da pandemia, mas que também levanta numerosos dilemas éticos e políticos;
As abordagens da teoria ator-rede , que considera os agentes não humanos como agentes de pleno direito do COVID-19 na mudança social;
Ou, em uma reflexão que se sobrepõe à emergência climática (a outra questão planetária que agora parece injustamente colocada em segundo plano), as abordagens ecofeminista, pós-humanista e multiespécies , que nos oferecem uma visão do mundo como uma totalidade imbricada na qual Todas as entidades do planeta se coproduzem e para as quais os dualismos clássicos, como natureza / sociedade, deixaram de funcionar, se é que alguma vez o foram .

Apontar muitas outras questões sociológicas que o coronavírus mobiliza, desde as transformações digitais do tecido produtivo aos sinais de racismo vivenciado por cidadãos de origem chinesa, da sociologia da tecnologia (com novos usos de drones e novas técnicas de diagnóstico, como controle temperatura, mas também novas formas de controle e vigilância) até o papel das imagens culturais (como podemos evitar que passamos quinze anos com uma avalanche de filmes sobre epidemias e zumbis?).

E é que o coronavírus está se mostrando um “fato social total” , um conceito cunhado pelo sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss para se referir a esses fenômenos que colocam em jogo a totalidade das dimensões do social.

Antes de terminar, porém, destaca-se outra utilidade, neste caso cívica ou política, se você preferir, da perspectiva sociológica.

Se a História social das epidemias nos ensina, e também todos os estudos culturais sobre epidemiologia, imunologia e doenças infecciosas, é que aqui está em jogo um problema fundamental da sociologia: como (conviver). O que nos une e o que nos separa.

Um dos efeitos mais imediatos em qualquer surto é a exacerbação – material e simbólica – da diferenciação social, a multiplicação das linhas divisórias entre “nós” e “os outros” (entre saudáveis e doentes, entre aqueles que estão bem e aqueles que estão bem). eles têm “patologias anteriores” ou pertencem a “grupos de risco”, entre aqueles que têm recursos e apoios e aqueles que não os têm, entre “aqueles daqui” e “aqueles de fora”, etc.).

Num futuro próximo, após debelada a pandemia do COVID-19, uma normalização do cotidiano deverá implicar, em primeiro lugar, uma preocupação com as suas vítimas, diretas e indiretas. Mas, um retorno gradativo ao convívio deverá vir acompanhado, sobretudo, de uma atitude cívica em que se redobra a atenção com as continuidades dos poderes de exceção exercidos pelos governantes.

Mais que isto, uma normalização do cotidiano deverá impor-nos, definitivamente, uma cuidadosa revisão do projeto da modernidade e das sombras que sobre ele ainda se lançam, desde Auschwitz (Agamben, 2008), em face das atuais e combalidas promessas de luzes. Ainda, uma normalização do cotidiano deverá implicar o resgate da conexão simétrica da dignidade que há em todos nós. Uma persistência das desconfianças, e a sociedade pós-pandemia estará dividida entre os corpos doentes, os corpos suspeitos e os corpos sãos, participantes de estatutos jurídicos diferentes entre si. Daí, a importância da atenção aos riscos de crescimento de formas futuras de política autoritária, que sejam erguidas com base na xenofobia e na cultura do nacionalismo, em detrimento dos avanços da liberdade, da democracia e do cosmopolitismo cooperativo.

A sociedade pós-pandemia não deve nada ao presente; deve apenas seguir o rumo incorrigível no qual se colocava? Deve ignorar todas as mensagens e deixar de lado a tarefa de decodificá-las? Talvez, sim. Ou, ao contrário, deve ser capaz de se recriar, considerando a oportunidade da parada. Nesta última perspectiva, ainda que tímida, encontramos a possibilidade da fagulha de impulso para novos tempos. Muitas pessoas estão dizendo: ‘Quando voltar, quero voltar diferente!’. Enquanto oportunidade de re-sincronização da vida, o nosso cotidiano pode ser escrito de outra forma. De que forma? De uma forma mais biófila, enquanto reconexão da relação sociedade-natureza, enquanto re-fazimento da relação corpo-mente, enquanto religação da relação eu-outro-eu, quando temos a inédita chance presente de fazer da des-ordem apenas uma nova ordem.

As pontes para um outro amanhã ainda podem ser refeitas, com outras palavras e em outros termos (Schilling, 2002), caso venhamos a dedicar mais esforços por um mundo menos marcado pelo ódio e pela diferença, pela miséria e pela fome, pelo abandono e pela violência, pelas armas e pelos territórios, pela guerra e pela produção de refugiados, e, então, mais marcado por justiça e solidariedade, por igualdade e diversidade, por reconhecimento e cidadania, por paz e cosmopolitismo.

Enfim, mais do que nunca, em 2020, o COVID-19 se configurou no primeiro evento pandêmico do século XXI a mobilizar a comunidade científica global a uma corrida pela descoberta da vacina para o tratamento da mutação do vírus. Junto com isso, nos convida a nossa humanidade, também, à consciência de que, sem possibilidade de retorno, nos tornamos uma comunidade global dotada de um destino comum. As conquistas assim inscritas parecem poucas, mas a cada pequeno grão que acrescentamos, podemos estar mais perto de uma sociedade onde a dignidade e a justiça não sejam fatores tão laterais, mas possam assumir o protagonismo da organização social e da luta pela construção de novos patamares de socialização.

Em decorrência dos argumentos elencados à luz do viés epistemológico e da Sociologia Contemporânea, pode-se concluir que embora sejamos influenciados pelos contextos sociais em que nos encontramos, nenhum de nós tem o comportamento simplesmente modelado por esses contextos, possuímos, criamos, construímos nossa própria individualidade. É trabalho da sociologia investigar as conexões entre o que a sociedade faz de nós e o que fazemos de nós mesmos. As nossas atividades tanto estruturam, modelam, como ao mesmo tempo são estruturadas por esse mundo social. O conceito de estrutura social é muito importante na Sociologia, ele se refere ao fato de que os contextos sociais de nossas vidas não se consistem apenas em conjuntos esporádicos de eventos ou ações, são constituídos ou uniformizados de formas distintas. Há regularidades nos modos como nos comportamos e nos relacionamentos que temos uns com os outros. Entretanto a estrutura social não é como uma estrutura física, como um edifício que existe independentemente das ações humanas. As sociedades humanas estão sempre em processo de estruturação. Elas são reestruturadas a todo o momento pelos próprios blocos de construção que as compõe, os seres humanos. (Giddens, A. Sociologia, Porto Alegre: Artmed,2005).

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