A ciência segue trabalhando para ampliar o conhecimento sobre a covid-19 após quase três anos desde o primeiro caso da doença. Ao tentar entender as alterações da chamada covid longa, pesquisadores da USP, Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desvendaram como o sars-cov-2 age no cérebro e a possível relação com o desenvolvimento de quadros de depressão, ansiedade e perda de memória no pós-covid.
No estudo Morphological, cellular, and molecular basis of brain infection in COVID-19 patients publicado na PNAS, os autores identificaram a presença de material genético do sars-cov-2 no cérebro com focos de infecção nos astrócitos, que são células com diversas responsabilidades no sistema nervoso, como o suporte funcional e nutricional dos neurônios e manutenção da homeostase (condição estável em que um organismo deve permanecer para realizar suas funções adequadamente, de forma a manter-se em equilíbrio).
“Nós descobrimos que alguns pacientes tinham alterações no cérebro que indicavam lesão tecidual celular e uma possível infecção”, explica Thiago Mattar Cunha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e coautor do estudo. “Mostramos que as células mais infectadas dos pacientes foram os astrócitos. Quando o vírus entra nos astrócitos, ele causa uma alteração metabólica e induz essa célula a produzir substâncias que matam os neurônios.”
Os pesquisadores ainda observaram que, em pacientes com covid moderada, houve perda da massa encefálica em algumas regiões específicas do cérebro, e essa perda está correlacionada com diminuição de capacidade em testes de memória e de emoções, além de um aumento dos quadros de ansiedade. “Parece que o sars-cov-2 causa distúrbios no sistema nervoso central que estão associados a uma possível lesão e prejuízo funcional de algumas estruturas”, afirma o professor.
As análises foram realizadas em amostras de tecidos do cérebro de 26 pacientes que morreram por complicações da doença, exames de imagem e testes in vitro com os astrócitos. “Fizemos uma pesquisa chamada medicina translacional. Observamos o que acontece com o ser humano quando eles morrem e depois vamos para a bancada do laboratório ver os mecanismos envolvidos”, conta Flávio Protássio Veras, pesquisador do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (Crid) e coautor do artigo.
Ainda de acordo com Veras, as conclusões do estudo contribuem para melhorar o cuidado aos pacientes com sintomas pós-covid. “Os efeitos da pandemia e pós-infecção podem repercutir para uma pior qualidade de vida. A importância do artigo foi identificar os mecanismos e buscar propostas para tratar o déficit cognitivo causado pela lesão do sistema nervoso”, conclui.
Fonte – Ascom
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